MESTRES NACIONAIS
O currículo vazio desfoca a importância que teve no futebol português; muitos dos que o odiaram desde o primeiro dia, condenaram-no à irrelevância de fenómeno efémero, desmentido pela veneração que lhe dedicaram os que recusam vê-lo cair no esquecimento. Joaquim Meirim foi o vendaval que abalou o sistema, um homem avançado no tempo, autodidata que, a meio dos anos 60, cortou com o passado, confrontou os senhores do poder e trouxe para primeiro plano elementos desvalorizados em Portugal, alguns mesmo desconhecidos, mas hoje imprescindíveis a qualquer treinador de topo. Definiu novo relacionamento com os jogadores (valorizou-os como homens), uma forma de comunicação inovadora para dentro e para fora, e desenvolveu liderança orientada por alguns parâmetros militares, que serviram para criar
MEIRIM VIVEU ADIANTADO NO TEMPO E TROUXE ELEMENTOS HOJE DECISIVOS PARA TREINADORES DE TOPO
grupos unidos, impenetráveis e prontos para qualquer luta. Meirim entra na história não como um elemento da escola portuguesa de treinadores mas como alguém que a pôs em causa e lhe ofereceu variantes complementares – a provocação, o desassombro ou até os ‘mind games’ e a intervenção comunicacional tem fundamentos que José Mourinho utilizou mais de 30 anos depois. Foi um outsider revoltado (nunca teve uma grande máquina a suportálo), trouxe novo paradigma de presença pública (muitos viram nele o fala-barato que não era) e criou um estilo distinto de estar no futebol. Conduziu a carreira com ideias maiúsculas e foi ganhando inimigos pelo caminho. Apesar do sucesso na primeira passagem pela CUF, a inovação metodológica (trabalho no pinhal e na praia, por exemplo) só foi escrutinada favoravelmente em 1969/70, na melhor época de sempre do Varzim, que lhe abriu as portas do Belenenses, clube no qual teve desafio invencível. Os dirigentes azuis pediram-lhe para recuperar a paixão dos adeptos e voltar a encher o Restelo; ele aceitou e cumpriu o prometido. Os resultados não corresponderam ao plano (não podiam corresponder) mas nem isso travou a consolidação do prestígio como figura pública. Numa altura em que o futebol tinha acesso restrito à televisão, Meirim era presença constante nos ecrãs, em programas que desvendavam o seu modo de trabalhar. Homem de carisma ex- traordinário, que contagiava os seus e incutia receio a adversários, chamaram-lhe ‘Profeta’. Inteligente, implacável nas lutas que travou, coerente no raciocínio e fiel aos princípios, chegava a ser diabólico nas palavras e nas ideias. Ao fim de tantas décadas, Meirim continua a ser uma figura incompreendida, analisada com leveza pela forma e não pelo conteúdo do seu trabalho.