Record (Portugal)

“O dinheiro não é tudo na vida”

MANUEL CAJUDA E A NOVA ETAPA EM VISEU

- TEXTOS RICARDO VASCONCELO­S FOTOS NUNO ANDRÉ FERREIRA

O que leva um treinador com o seu currículo a aceitar treinar um clube da 2.ª Liga?

MANUEL CAJUDA – É uma aposta pessoal e um ato de coragem. Vi o convite como uma oportunida­de de ouro para fazer aquilo que gosto. Quero começar de baixo para chegar lá acima outra vez. Acho que vou conseguir ajudar o Ac. Viseu a subir de divisão e isso será uma lição para muita gente.

+ Para quem, nestes últimos anos, não acreditou em si?

MC – Estou a tentar provocar essa lição, mas não estou à espera que alguém reconheça os erros. + A subida é um objetivo assumido ou um sonho para cumprir até ao final do seu contrato? MC – É um sonho do Ac. Viseu há bastante tempo e um objetivo para esta época. Disse ao presidente que ia tentar por tudo subir, mas que tenho apenas três meses de trabalho. Daí o contrato de ano e meio. Vou tentar já agora, mas, se não subir esta época, subo para a próxima. Seria uma cobardia não tentar subir já esta temporada. A goleada de 5-1 na sua estreia, em casa do Benfica B, ainda elevou mais as expectativ­as… MC – Começámos bem de mais! Se tivesse perdido, já andavam a dizer que o Ac. Viseu tinha ido buscar um treinador ultrapassa­do e fora do prazo de validade. Sei que o resultado pode ter elevado as expectativ­as, mas é preciso ter bom senso. Na China aprendi um provérbio: não antecipes nem a alegria nem o sofrimento de uma coisa que ainda não aconteceu. Deixo essa mensa- gem aos adeptos do Ac. Viseu. Nem nos meus melhores sonhos diria que ia ganhar 5-1 ao Benfica B. Ganhámos e fizemo-lo com todo o mérito, mas disse aos jogadores que não será sempre assim. Quero que eles sintam a felicidade e a valorizaçã­o pelo jogo que fizeram. O Ac. Viseu nunca tinha feito mais de três golos esta época, não ganhava há sete jogos, nos últimos dez tinha apenas uma vitória e o Benfica B vinha de cinco triunfos seguidos. Teve quatro dias para preparar o jogo e viu-se que as dinâmicas já não foram as mesmas.

MC – Mudei coisas tão simples que muita gente nem se apercebeu. Aproveitei várias coisas boas que a equipa tinha feito até aqui e até lhes pedi desculpa por isso. Alterei ligeiramen­te as movimentaç­ões coletivas. O sistema foi o mesmo, claro. Sou inteligent­e e não podia ter mudado tudo. Se o fizesse, só ia complicar a vida dos jogadores. E mudei 30 por cento dos jogadores de campo.

Um deles teve uma influência brutal...

MC – Tinha visto o Sandro Lima jogar na televisão e tive esse ‘feeling’. Não me preocupo se um jogador é alto, forte ou se taticament­e tem bons ou maus princípios. Claro que é bom que os tenha, mas há algo mais importante, que é se ele sabe jogar à bola. E o Sandro Lima sabe! Falei com ele tranquilam­ente, sem que ele percebesse as exigências, não lhe meti pressão, disse-lhe para ele fazer o que sabe e apenas lhe perguntei se podia jogar numa posição que não era a sua. Ele dis- se-me que nunca tinha jogado no corredor direito, mas que podia experiment­ar. E fez três golos… Ainda não falámos do trabalho psicológic­o que tanto gosta de fazer nos jogadores...

MC – Tinha de aproveitar todos os sintomas de quando chega um treinador novo. Sei que os jogadores querem agradá-lo. Essa foi a minha maior preocupaçã­o. Fisicament­e não era convenient­e trabalhar no duro porque o efeito do treino não tem efeitos imediatos e não se ia refletir no jogo. Dos aspetos táticos já falamos e será com mais tempo que vou procurar mudar mais alguns aspetos. Em 1996/97, fui o primeiro treinador a incluir numa equipa técnica de fu- tebol um psicólogo e uma nutricioni­sta. Toda a gente estranhou. Com o psicólogo aprendi muito, muito, muito... Ser psicólogo é ser um observador e estudar os comportame­ntos das pessoas. Vi vários jogos da equipa em vídeo e perante alguns comportame­ntos de jogadores senti que a questão psicológic­a, de que gosto muito, era fundamenta­l. Felizmente bateu certo.

Como treinador principal, subiu três equipas – Torreense, U.

“SE NÃO SUBIR ESTA ÉPOCA, SUBO PARA A PRÓXIMA, MAS SERIA UMA COBARDIA NÃO TENTAR SUBIR JÁ ESTA TEMPORADA” “TINHA VISTO O SANDRO LIMA JOGAR NA TELEVISÃO. PERGUNTEI SE PODIA JOGAR NUMA POSIÇÃO QUE NÃO A SUA. FEZ TRÊS GOLOS”

Leiria e V. Guimarães. Tem apenas três meses até ao final do campeonato. É o projeto mais difícil que abraça, tendo em vista uma subida de divisão? MC – Compreendo a pergunta e podia-me aproveitar dela para desculpar um eventual insucesso. Quando vim para o V. Guimarães aprendi uma lição: o plantel tinha sido feito pelo Norton de Matos. Quando cheguei, meti as mãos à cabeça e pensei que estava desgraçado. Cheguei a casa e disse à minha mulher que me tinha metido numa alhada. Passado duas semanas percebi que tinha um plantel fabuloso. Subimos de divisão e, semprecisa­r de fazer grandes alterações, na época seguinte fomos à

Liga dos Campeões. Aqui as coisas são um pouco iguais. O corpo estranho sou eu. O modelo ou a ideia de jogo tem de ser idealizado, todos os dias conhecemos virtudes e defeitos dos jogadores. Eué que tenho de me adaptar e depois, de forma simples, mudar algumas coisas. Podia ter chegado aqui armado em treinador de futebol… Tentei entrar como uma pessoa inteligent­e, e não vejam isso como vaidade. O plantel tem muitas condições e, felizmente, sou um homem sem ideias. As minhas ideias nascem com a realidade onde estou inserido. Não estou no Real Madrid, mas no Ac. Viseu. Consoante a minha realidade, então tenho milhões de ideias. *

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