Fernandes, o melhor Bruno
MÉDIO DO SPORTING FOI O JOGADOR MAIS IMPRESSIONANTE E COM MAIS IMPACTO NA LIGA. OFERECEU ESTILO, AMBIÇÃO E BONS JOGOS E, AOS 23 ANOS, SOUBE COMANDAR A EQUIPA
Na montanha-russa de afetos e desprazeres em que Bruno de Carvalho está cada vez mais a transformar o Sporting, um outro Bruno é bem capaz de ter sido o melhor que o clube de Alvalade conseguiu retirar de mais uma época estrambólica e esbanjadora. Porque mesmo que à Taça CTT consiga acrescentar a conquista de uma Taça de Portugal em que se irá bater na final com o Aves (depois de ter ultrapassado o Famalicão, Vilaverdense, Cova da Piedade e FC Porto, mas este apenas na decisão nos penáltis), não é nenhuma blasfémia considerar que o nível exibicional que Bruno Fernandes atingiu esta época coloca o médio num patamar clara- mente distinto e superior ao desempenho coletivo da equipa do Sporting. Até por isso, Bruno Fernandes acabou provavelmente por ser o melhor jogador desta edição da liga portuguesa, opinião naturalmente contestável, ou não fosse o futebol demasiado labiríntico para que se possa ter sempre razão.
Haverácertamente quemprefi
raMaregaou Jonas. O primeiro porque, desde logo, é mais comum escolher-se um recém-campeão. Mas também porque marcou 22 golos e acabou por se tornar no ar- quétipo principal da forma de jogar ‘com pressa’ imposta por Sérgio Conceição. Averticalidade, explosão e contumácia do maliano fizeram tanto sentido neste FC Porto como juntar o molho à francesinha. De tal forma que, esta época, quase não se falou das suas imperfeições técnicas, que continuam lá. De Jonas, tanto ou mais que os 34 golos no campeonato, impressiona a forma como, aos 34 anos, continua a exalar talento, sendo provavelmente o melhor avançado estrangeiro que alguma vez vi vestir a camisola do Benfica. Mas, sendo tudo isto verdade, o jogador que mais me pasmou no decorrer desta temporada foi mesmo Bruno Fernandes. Um fascínio que, reconheço, teve muito a ver com a forma como a equipa do Sporting dançou sempre ao som deste jovem de apenas 23 anos. Bruno Fernandes ofereceu quase sempre estilo, ambição e bons jogos e mais do que justificou os quase 10 milhões de euros que significou a sua contratação. Quem já o seguia desde os tempos na Udinese ou na Sampdoria não terá ficado banzado, mais a mais porque muito do que mostrou esta época já lho tínhamos visto fazer também nos sub-21 e na Seleção olímpica. De tal forma que já não faz sentido discutir a sua presença no lote de 23 para o Mundial na Rússia: o único debate possível, nesta altura, é se deve ser já titular.
Acabou a época esfalfado, algo
notório nos últimos dois ou três jogos, o que é compreensível ao fim de 59 partidas e quase cinco mil minutos em campo. Os números não são tudo, mas neste caso servem para confirmar a maestria: 16 golos (11 dos quais na liga portuguesa) e 17 assistências (8 na liga), sendo o melhor comparsa de Bas Dost, que lhe pode agradecer inúmeros lançamentos teleguiados. Não me recordo de um médio com tanto peso no Sporting, até porque Balakov só jogava meio jogo – o ofensivo. Bruno Fernandes tem ainda a vantagem de ser uma espécie de canivete suíço. Tanto pode fazer parelha com William, como jogar no apoio a Bas Dost ou sobre as alas (as trocas posicionais com Gelson renderam juros durante muito tempo). O polivalente é, normalmente, aquele jogador que se exibe de forma sofrível, ou nem isso, em todas as posições, mas Bruno Fernandes é mesmo uma ave rara, porque salta da horta para o pomar e continua a florir e a medrar. Tem um catálogo de passes incrível, um pontapé depredador e uma confiança quase insolente em si mesmo. Não é raro vê-lo a dar indicações a companheiros mais velhos, ajudando-os a definir zonas e timings de pressão, algo que deve ter muito a ver com o curso acelerado que tirou na Serie A. Há uns meses, Jorge Jesus gabava-se de perceber rapidamente quais são os seus jogadores que vão dar bons treinadores, acrescentando que, nesta equipa, há um que tem tudo para a função. Não o identificou, mas basta observarmos a forma amadurecida como Bruno Fernandes gere a arquitetura do meio-campo leonino e como combina arte e ofício para termos praticamente a certeza que era a ele que o treinador se referia. Ora, o que fazemos sem obrigação é o que melhor define o que somos.
SALTA DA HORTA PARA O POMAR E CONTINUA A FLORIR E A MEDRAR