DOENTE NO PRIMEIRO TOUR
Acácio da Silva tinha 25 anos e ainda não tinha corrido o Tour. Alimentava esse sonho desde miúdo e aproveitou, então, a evidência na equipa Malvor-Bottecchia-Vaporella para pressionar a presença na grande corrida, cujos responsáveis per- maneciam reticentes em aceitar. Para começar, veio ao Campeonato de Portugal, em Sintra, e ganhou-o, passando então a envergar a camisola de campeão Nacional. Já tinha a certeza de que estaria na Volta a França quando foi ao Giro fazer a melhor grande volta da carreira: terminou em 7º lugar na geral, com duas vitórias em etapas. O Tour de 1986 iniciava-se nos arredores de Paris. Faláramos uma semana antes, tudo corria bem e estava otimista quanto a uma boa prestação. Por isso, foi com surpresa que o reencontro, em terras francesas, ficou marcado pelo pessimismo e pelo relato de uma semana alucinante: “Depois de falarmos, há uma semana, adoeci, fiquei com febre e fui ao médico, que me receitou medicamentos considerados muito fortes. Perguntei se havia problema e ele disse-me que não, ao que eu ripostei que ia correr o Tour. Não queria acreditar. Disse que eu era maluco, que tinha era de ir para a cama.” Acácio recuperou minimamente e estava ali, pronto a iniciar a grande aventura. No diálogo, de semblante carregado e desiludido, explicoume depois com sinceridade absoluta: “Tenho pena, mas creio que, desta vez, fizeste mal em vir. Ou melhoro rapidamente, ou não vou dar uma para a caixa.” Não deu. O Tour foi grandioso, com a última grande luta entre Greg Lemond e Bernard Hinault, companheiros de equipa que não se falavam mas que, ainda assim, foram capazes de chegar de mão dada ao Alpe d’Huez, após uma etapa extraordinária, que dominaram como quiseram e lhes apeteceu. Acácio arrastou-se até final. Estava em fim de contrato com a Malvor e tinha tudo acertado com a KAS, de Sean Kelly, na qual viria a atingir expressão maior ainda, principalmente pelo contacto com o ciclista irlandês, que se revelou um irmão mais velho em toda a passagem pela equipa. O velho Jean de Gribaldy, diretor-desportivo e detetor de talentos, muito ligado à carreira de Joaquim Agostinho, fora o grande instigador da transferência. A poucos meses de morrer (faleceria a 2 de janeiro de 1987, precisamente no dia em que Acácio completou os 26 anos) fez tudo para ter o português na Kas. Ele que, numa entrevista dada por essa altura, disse algo que, ainda hoje, não me sai da cabeça: “Agostinho ouvia um em cada três conselhos que eu lhe dava. Se ouvisse dois, tinha ganho a Volta a França.” *
EM 1986 ESTREOU-SE NO TOUR COMO CAMPEÃO NACIONAL. MAS DIAS ANTES ADOECEU E TEVE A PRESENÇA EM RISCO