Record (Portugal)

“Benfica mudou muito”

É o treinador dos búlgaros do Ludogorets. Crítico feroz da CBF, mantém paixão por Portugal. Conta que o antigo central, de visita a Lisboa, em 2014, lhe telefonou entusiasma­do com o cresciment­o do clube

- TEXTOS RUI DIAS

Aos 61 anos, aceitou o convite para treinar o Ludogorets da Bulgária. Sentiu o apelo de voltar a trabalhar no terreno? PAULO AUTUORI – É isso mesmo. Desempenhe­i uma função diferente no Atlético Paranaense, onde tinha a meu cargo todas as equipas do clube, dos seniores aos sub-14, passando por todos os escalões intermédio­s. Acabei o contrato e estive no Fluminense fazendo o mesmo. Recebi muitos convites mas tomei a decisão de, no campo, só trabalhar fora do Brasil. + Só fora do Brasil, porquê?

PA – Porque me tornei um crítico feroz da CBF, que dirige o futebol brasileiro pensando apenas no negócio, nos sponsors, no lucro, deixando os clubes muito fragilizad­os. E não há futebol forte com clubes fracos. Por isso, sou ‘persona non grata’ para a CBF. + Falou em má gestão...

PA – O calendário é um absurdo, por total falta de critério nas regras que o orientam. Nós, treinadore­s, damos a cara pela nossa equipa mas também pelo nosso saber. E o que sucede? As equipas brasileira­s não se treinam: só há tempo para jogar, descansar, recuperar, conversar, trabalhar um pouco as bolas paradas e voltar a jogar. + Por isso veio para a Bulgária…

PA – Quando recebi o convite, os olhos brilharam de novo, sinal de que é isto que eu gosto de fazer, acentuado pela presença na Champions. A proposta do Ludogorets não foi a mais interessan­te em termos financeiro­s mas foi a mais aliciante, prova de que o meu objetivo passa por continuar a treinar. É um clube emergente, ambicioso e bem organizado. + Até que ponto vai a ambição?

PA – O objetivo é a qualificaç­ão para a Liga dos Campeões. Empatámos em casa com os húngaros do Videoton (0-0) e acreditamo­s que vamos seguir em frente. Se não, vamos agarrar-nos à Liga Europa. + E como está a adaptar-se?

PA – Bem. Preparei-me para isto, depois de a minha mãe falecer, aos 97 anos. Antes estava preso ao Brasil, porque entendi que chegara a hora de cuidar dela. Depois optei por prosseguir a carreira.

+ Gostava de voltar ao Brasil?

PA – Esse objetivo só será viável quando as coisas mudarem. O meu modo de encarar o futebol é sustentado, desde há muitos anos, por uma visão social, antropológ­ica e sociológic­a que não se coaduna com os valores atuais. Há amigos que dizem que eu sou um dinossauro, mas eu respondo que idosos vamos sempre ficar, mas velhos só seremos se quisermos.

+ E a relação com Portugal?

PA – É uma relação íntima. A minha filha mais nova, que tem 30 anos e nasceu na Madeira, cobra sempre. Ela e a irmã são apaixonada­s por Portugal. Nos últimos tempos estivemos aí em dezembro de 2017. Fui muito bem recebido pelos dirigentes do Marítimo e por Rui Fonte. Passei em Portugal 11 anos e meio e o país deixou marcas.

+ E o futebol português?

PA – No Brasil sigo de perto. É fácil ver os jogos e o meu impulso é acompanhar a Liga. Por isso estou mais ou menos a par do que se passou nos últimos anos.

+ O Benfica mudou muito…

PA – Pois mudou. E vou fazer uma confidênci­a: o Ricardo Gomes, com quem mantenho um contacto frequente, estava em Lisboa, creio que no ano de 2014, e telefonou-me entusiasma­do. Disse, en- tão, maravilhas do novo Benfica que eu tinha de ver como estava o clube, a sua organizaçã­o, o seu património, as condições de treino, o centro de estágio… Fiquei com vontade de conhecer. Quando voltar a Lisboa, talvez se proporcion­e. Quero também fazer uma visita ao Norte, para rever os amigos que deixei por todo o lado, principalm­ente em Guimarães.

+ E o Marítimo?

PA – Tem um estádio novo lindíssimo e um centro de treinos fabuloso, que visitei com o presidente Carlos Pereira. Fiquei muito contente por ver a evolução do clube.

“O CALENDÁRIO BRASILEIRO É UM ABSURDO. AS EQUIPAS NÃO SE TREINAM. NÃO HÁ FUTEBOL FORTE COM CLUBES FRACOS”

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal