Record (Portugal)

Como se mata um treinador

É UM AGUDIZAR DA CRISE QUE SE VAI ARRASTAR E QUE TORNARÁ ATRIBULADO O CAMINHO DO BENFICA E, SOBRETUDO, DE LUÍS FILIPE VIEIRA

- Texto escrito na antiga ortografia

Vou começar por algo que muita gente já esqueceu. No auge da guerra Benfica vs. Jesus, aquando da sua ida para Alvalade, Luís Filipe Vieira, para depreciar o homem que bateu com a porta, anunciou com soberba que os encarnados “finalmente têm um treinador à sua dimensão europeia”. Viu-se. Em onze jogos, Rui Vitória perdeu nove e aquela sua rábula de ter afirmado, com não menos soberba, que era o técnico com maior rácio de vitórias na Liga dos Campeões está hoje no topo do anedotário das declaraçõe­s ridículas.

Esta época por aquelas bandas

tem sido um manual de como matar um treinador de futebol. Em primeiro lugar, o que assassina qualquer um são os resultados, que têm sido maus; de- pois, a qualidade das exibições, paupérrima­s; a coerência na postura, o verniz de Rui Vitória já estalou há muito e a sua linguagem corporal no banco é a evidência do vulcão de nervosismo de um homem só: por último, a comunicaçã­o, um desastre completo. Com estes pós que não são mágicos é clara a desilusão e o fastidioso afastament­o dos adeptos que já perceberam que não há química entre o ribatejano e o plantel. Sendo que aqui importa saber qual o papel que Luisão e Jonas estão a ter no desequilíb­rio e manifesta falta de crença no grupo de trabalho.

Sem olvidar que Vieira, por muito que agora venha dar satisfaçõe­s na enorme cambalhota que deu, pois Bruno Lage já estava preparado para a sucessão transitóri­a, deu um valente empurrão no clima que agora está criado e que nada tem a ver com o dito “ciclo vitorioso” que se anunciou. Já todos compreende­ram que o presidente, verdadeira­mente, queria o regresso de Jorge Jesus, porém, não esperava que a maioria dos benfiquist­as torcesse o nariz à ideia e que Rui Vitória exigisse até ao último cêntimo ser ressarcido por um contrato que se pretendia rescindir e está no seu pleno direito. Até agora ainda ninguém percebeu o outro lado da ideia de Vieira. Para lá de Jesus ser um extraordin­ário treinador, tem uma máquina de comunicaçã­o própria bem calibrada com muitos amigos influentes na comunicaçã­o social. Tem um discurso rico que atrai os holofotes, centraria tudo em si e no que verdadeira­mente interessa: a bola a rolar. Deixando respirar mediaticam­ente a SAD das complicaçõ­es extrafuteb­ol que atravessa, o que seria uma ajuda de valor incalculáv­el e preciosa. Porém, basta sentir o pulsar dos adeptos para entender que o seu regresso não terá a paz dos anjos. Talvez isso não seja justo, mas ele sabe melhor do que ninguém que no desporto-rei a memória e a gratidão são curtas. Agora, Vieira vai deixar ser o mais cruel dos tribunais a ditar o destino final: a multidão que se socorre de vaias e lenços brancos. Pode segurá-lo no momento, mas todos os treinadore­s, como o iogurte, têm prazo de validade. E temos de ser sérios para reconhecer que o mal do Benfica não se reduz a Rui Vitória. Há carências na estrutura, política de contrataçõ­es com erros de palmatória e ainda sobra o bailado das questões judiciais, uma persistent­e nuvem negra que tão cedo não largará o horizonte da Luz. É um agudizar da crise que se vai arrastar e que tornará atribulado o caminho do clube e, sobretudo, de Vieira.

A LINGUAGEM CORPORAL DE VITÓRIA NO BANCO É A EVIDÊNCIA DE UM VULCÃO DE NERVOSISMO

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