A viúva negra de Mourinho
O ‘ TEATRO DOS SONHOS’ FOI COM JOSÉ MOURINHO GALERIA DE HORRORES PARA OS ADEPTOS O ESTRATEGA COM UMA COURAÇA E AURA QUASE IMBATÍVEIS, COMO UM AQUILES DOS TEMPOS MODERNOS, VIROU UM TIGRE DE PAPEL, DEIXANDO A OLHO NU AS SUAS FRAGILIDADES
Alex Ferguson demorou seis anos para ganhar um título no Manchester United. José Mourinho, logo no primeiro ano, ganhou três. O português, sozinho, tem quase tantos troféus conquistados em Inglaterra como os restantes treinadores da Premier League. Não chegou. A sua saída estava escrita nas estrelas, mas não é o único culpado. Os proprietários americanos, os Glazer, percebem tanto de futebol como eu de esquentadores, e o director responsável pelas contratações, Ed Woodward, tem tanta sagacidade a actuar no mercado como eu sou exímio praticante de patinagem artística.
José Mourinho era ( ainda é?) um tipo genial. O seu talento levou-o ao topo do Mundo, o seu nome era marca de sucesso e uma moda que abriu oportunidades aos treinadores portugueses, um enorme porta-estandarte nacional que foi usado em campanhas do Turismo de Portugal para promoção do nosso país. Era um treinador revolucionário, um brilhante comunicador, agregava os seus homens como os melhores generais pelos quais os soldados dão a vida nos campos de batalha, sem medo de ostentar aquele toque de arrogância que fica bem aos vencedores, fascinava pelo seu carisma e seduziu Inglaterra quando voltou a dar títulos ao Chelsea, um clube pequeno de um bairro de ricos, comprado por um oligarca russo, que ele tornou grande.
Eu adoro José Mourinho, mas não gosto deste José Mourinho. Um homem que ganha milhões sentado num dos melhores clubes do Mundo e que parecia, como dizem os espanhóis, “enfadado”. Esta foi realmente a sua imagem em Manchester, somada ao futebol mais desinteressante e insípido que tenho visto. Em vez de um banquete, éramos tratados a pão e a água quando víamos os seus pupilos a actuar. O ‘Teatro dos Sonhos’ foi com Mourinho uma galeria de horrores para os amantes do desporto-rei. Depois, esse aborrecimento patente no setubalense passou para a sua comunicação, que se tornou débil e labiríntica. E o balneário, a sua coe- são, que foi sempre a centelha das suas conquistas, tornou-se um barril de pólvora e um foco de desunião. O estratega com uma couraça e aura quase imbatíveis, como um Aquiles dos tempos modernos na sua fase inicial, virou um tigre de papel, deixando a olho nu as suas fragilidades, algo que um líder nunca pode consentir.
Paramim, Mourinho começou
a perder magia em Itália. Onde num clube com um presidente que amava e compreendia o futebol, Massimo Moratti, conseguiu dar os títulos que o Inter Milão perseguia. Ali, tornou-se ‘resultadista’, apanhou o vírus de ganhar sem se preocupar com a estética do jogo e com a alegria e prazer que tem de dar a quem paga um bilhete e quer espectáculo. E essa foi a teia da Viúva Negra, a aranha de veneno mais mortífero, onde caiu. A qualidade de jogo dos red devils repelia, afugentava, adormecia. E isso é apenas culpa sua, a sua máxima culpa. Mourinho é um campeão a quem desejo o melhor, pois isso honra-nos a todos, mas o conselho que dava é simples: regresse às origens. Que volte ao homem que nunca esqueceu e tudo lhe ensinou. Veja o documentário da Netflix, ‘Bobby Robson – More than a manager’, e inspire-se com o que o inglês disse quando chegou a Barcelona com ele ao seu lado: “O futebol é entretenimento e para isso queremos bom futebol”.