Impressões de um clássico
Pedro Adão e Silva Professor Universitário
Como aproximar do estádio, o medo cénico começa a ser incontrolável, um frio na espinha que vem acompanhado com o tremor provocado pela troca de cânticos entre claques. Uma, em clara maioria, outra, em menor número, mas nem por isso menos intimidante ou ruidosa. Cá fora, a polícia a cavalo sugere uma falsa sensação de segurança; lá dentro, os assobios ensurdecedores aos craques adversários contaminam os adeptos visitantes. Os clássicos são assim: momentos de tensão dramática, acumular de uma longa rivalidade, com desforras sempre adiadas. Tudo movido a paixão.
Este não era diferente. Uma noite de sábado de inverno, estranhamente tépida, como que a anunciar umjogo de ritmo intenso. Em campo, as diferenças, no entanto, foram claras. Uma equipa que se superiorizou, mostrando a importância de ter um treinador e o que se ganha quando há um processo coletivo trabalhado e alicerçado numa identidade forte. Ficou uma vez mais provado que, quando se defrontam duas equipas com muita qualidade individual, o essencial da diferença nunca estará no talento.
Numclássico, umaequipa para sair ganhadora, precisa de ter umaideia de jogo trabalhada, estável e personalizada. E uma abordagem estratégica ao jogo que, mantendo os princípios identitários, saiba ser sensível aos pormenores do jogo do adversário. Com uma identidade coletiva forte, os ta- lentosos sobressaem e, com isso, fazem de quem os lidera treinador. Pelo caminho, os melhores tornam-se de facto melhores e os ajudantes veem as suas capacidades realçadas, formando um todo harmónico. É também este o contexto que possibilita ao treinador ir fazendo inflexões táticas ao longo da partida.
Foi o que vi no sábado à noite em campo: umdaqueles casos em que a força da técnica se sobrepôs claramente à técnica da força e onde ficou, uma vez mais, demonstrado que a chave do sucesso competitivo está no treino e na preparação estratégica dos embates. A equipa visitante saiu vencedora com justiça, revelando equilíbrio emocional em todos os momentos do jogo, mesmo num ambiente muito adverso. Aliás, o controlo da partida foi de tal ordem que, mesmo quando cedeu o campo e a bola, foi, de facto, sempre capaz de manter o adversário à ilharga.
Este sábado, tive asorte de regressar ao Santiago Bernabéu e assistir amais umclássico, comumavitóriaclarado Barcelona. Uma equipa personalizada, com uma ideia de jogo estimulante, mesmo que já sem jogadores com a qualidade individual de um passado não muito distante. À distância, fui acompanhando o que se passava no Dragão e, abraçado ao meu filho, celebrei com emoção a nossa vitória. Quando regressar a Lisboa, verei o jogo na íntegra. Do que li e do que me disseram pessoas em quem confio, parece que os dois clássicos não foram muito distintos.