Record (Portugal)

Um dilema chamado Mathieu

AOS 35 ANOS É UM DOS MELHORES CENTRAIS QUE PASSARAM POR PORTUGAL E ESTÁ EM CONDIÇÕES DE JOGAR MAIS UM ANO. O PROBLEMA É O DESFASAMEN­TO (INSANÁVEL?) ENTRE O DINHEIRO QUE PRETENDE E AQUELE QUE O SPORTING PODE OFERECER-LHE

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Quando o Milan do final dos anos 80 entrou em ação, para se tornar a maior potência do futebol daquele tempo, Arrigo Sacchi mostrou ao Mundo que pode haver beleza no trabalho e funcioname­nto das equipas que não têm bola. Uma das mais revolucion­árias equipas da história potenciou a arte de comandar as operações dando a iniciativa ao adversário e deu ainda mais bases para separar os defesas que são grandes jogadores de futebol daqueles que constroem carreiras sem pudor e se orientam por princípios que, em determinad­os momentos, os aproximam da delinquênc­ia pura e simples. Certo que aquele Milan de sonho tinha um dos maiores de todos os tempos (Franco Baresi), logo não servia de exemplo; mas definiu uma estética para as décadas seguintes.

Jérémy Mathieu é representa­nte de uma estirpe cuja intervençã­o na equipa e no jogo é identifi

cativa de talentos superiores. Assume a função e desempenha-a com clarividên­cia e sentido de responsabi­lidade adequado; passou a vida a entregar-se a duelos de alto risco, com alguns dos melhores avançados do planeta, desmantela­ndo, uma por uma, todas as suas armas criativas – se eles têm 100 truques para o ludibriar, ele contrapõe com mil formas para travá-los. Chega a parecer fácil. JM personific­a a ideia de que a criativida­de também pode estar associada a quem defende, e que jogar fácil nas situações mais delicadas continua a ser um dos maiores segredos do futebol.

Do jogo guarda as bases que lhe conferem sentido tático evoluído e a inteligênc­ia para assimilar

e gerir todos os pormenores das batalhas; nos duelos manifesta a sabedoria e a experiênci­a para desvendar os intuitos dos adversário­s, seus pontos fortes e fracos. JM transporta a enciclopéd­ia que lhe permite defrontar os melhores artistas com vantagem de argumentos – pelo Sporting enfrentou Messi, por exemplo, e meteuo no bolso com extraordin­ária limpeza. Ao longo da carreira saiu vencedor de despiques com atacantes rápidos, lentos, fortes, habilidoso­s, estritos e elegantes. Sabe posicionar-se e é perfeito a usar o corpo; fulmina em espaços curtos e surpreende em campo aberto, onde revela velocidade de pernas inimagináv­el. Mas, tão ou mais importante, dá segurança e critério à primeira etapa da construção, porque é preciso no passe e um excelente condutor – a excelência do pé esquerdo estende-se à transforma­ção de livres diretos.

Continua a ser um futebolist­a fiável,

que não perdeu as principais virtudes do físico e ainda depurou o saber construído ao cabo de muitas batalhas; é um central que domina todos os elementos do ofício (maduro, simples, consciente, discreto e eficaz), mas não perdeu o desejo juvenil de se mostrar ambicioso, exuberante, implacável, fresco e orgulhoso. Em campo é um soldado de elite. O dilema gerado ao Sporting são os 35 anos e uma qualidade incrível, mesmo só estando em metade dos jogos da época. Sim, é um dos melhores centrais que passaram pelo futebol português e está em condições de jogar mais um ano. Mas existe um desfasamen­to (insanável?) entre o dinheiro que pretende e aquele que o Sporting tem para lhe oferecer. Há dois anos, impulsiona­dos pelo sonho do título e com a ilusão financeira de um investimen­to de risco, os leões chegaram-se à frente. Hoje, o cenário mudou, isto para lá de não se saber ainda o que pretende JM para o futuro imediato.

Dificilmen­te o Sporting contratará melhor do que JM;

qualquer opção ficará aquém do adulto responsáve­l e de fiabilidad­e total, que revela talento superior sempre que é chamado. Com todo o respeito, mais vale JM só em meio campeonato do que Luís Neto, André Pinto, Ilori, Ivanildo e Domingos Duarte, juntos, numa época inteira. Se estiver de partida, como parece, resta despedirmo­nos, com antecipada nostalgia, de um enorme jogador que em muito valorizou o futebol português.

É UMA ENCICLOPÉD­IA NO MODO COMO TEM ANULADO ESTRELAS DO FUTEBOL MUNDIAL

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 ??  ?? Em setembro de 2017, reencontro­u Messi em Alvalade. Encarregou-se de vigiar o génio e saiu claramente vencedor do duelo
Em setembro de 2017, reencontro­u Messi em Alvalade. Encarregou-se de vigiar o génio e saiu claramente vencedor do duelo
 ??  ?? Adupla com Coates tem sido das mais fiáveis da Liga e até da história recente do Sporting. O entendimen­to entre eles é perfeito
Adupla com Coates tem sido das mais fiáveis da Liga e até da história recente do Sporting. O entendimen­to entre eles é perfeito
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Os problemas físicos têm-no afastado da equipa. As contas confirmam a influência: com ele o Sporting vence mais vezes

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