O preço da fama
FÁBIO SILVA É UM TALENTO INATO. QUE CONTINUE A TER GOZO NO FUTEBOL E A SORRIR COMO UM MIÚDO QUE TEM O MELHOR BRINQUEDO DO MUNDO E QUANDO SURJAM TENTAÇÕES, VEJA A HISTÓRIA DE OUTRO FÁBIO, O PAIM, QUE TUDO DESPERDIÇOU
Quando eu era miúdo e achava que era o Futre na praia de Sesimbra a fazer fintas estonteantes, havia algo evidente: o puro prazer de jogar à bola, a alegria de festejar um golo. Julgo que os que amam o futebol passaram por este processo, tiveram os seus ídolos, sonharam com uma carreira que não é para todos. Por sinal, ainda me recordo de Aurélio Pereira a visitar essa vila piscatória e a não perder a oportunidade para mirar quem brincava com a bola porque podia por ali haver algum talento. Quando li uma entrevista sua onde revelava: “Agora há crianças de sete anos que já têm empresário”, reflecti como tudo está deteriorado e corroído nesta indústria recheada de mercenários que querem sacar o máximo possível num curto espaço de tempo.
Para lá do meu clube, só sou sócio de outra instituição: a Cinemateca. Esta semana ali tive a oportunidade de ver um filme do ciclo dedicado a Ida Lupino, a segunda mulher realizadora de Hollywood, que se chama “Hard, Fast and Beautiful”, em português, “O Preço da fama”. Ali se mencionava, com outro nome, uma das pioneiras do ténis americano, Helen Moody, que atingiu o patamar dos deuses muito por capricho da sua mãe, que via na filha a possibilidade de abandonar a modesta vida, frequentar outros salões e ganhar a fortuna que seria impossível. E na gestão da sua carreira, logo depois das primeiras vitórias, aparecia a bajular a mãe, um ‘empresário’ e ‘promotor’ que se assenhoreia do seu destino e a leva a passar do prazer e sorriso despertado pelo jogo para uma rapariga cinzenta, quase sem alma, que experimenta os cigarros e a bebida e que se cansa do desporto para se casar e ser feliz. O sorriso dessa personagem, depois das conquistas dos primeiros torneios, fez-me lembrar o sorriso de Fábio Silva após esse orgasmo que é o golo – como dizia o bibota Fernando Gomes. O FC Porto nos últimos anos teve outras pepitas na sua formação, Rúben Neves e André Silva, mas com este potencial de estrela, a bater todos os recordes do clube, vislumbro que a sua cotação dispare e se torne como as acções da Amazon que são o papel mais valioso da Bolsa de Wall Street. “Não vamos meter o menino num pedestal”, disse sensatamente Sérgio Conceição, e tenho a certeza de que pode contar com o apoio do pai, Jorge Silva, jogador de referência no Boavista. Neste momento surgem todas as tentações do mundo, as ‘wags’, os ‘amigos’, os ‘agentes’, a exposição das redes sociais. Cabe a uma estrutura profissional proteger o atleta e evitar o vórtice das parangonas, o redemoinho perigoso da fama que leva à concupiscência da ganância pelos milhões. Fábio Silva é um talento inato que não engana, que tenha os pés assentes no chão e na hora em que surjam tentações, para que não caia nelas, veja a história de outro Fábio, o Paim, que tinha o Mundo a seus pés e tudo desperdiçou. E que continue a ter gozo no futebol e, especialmente, a sorrir como um miúdo que tem o melhor brinquedo do Mundo.
Texto escrito na antiga ortografia
CABE A UMA ESTRUTURA PROFISSIONAL PROTEGER O ATLETA E EVITAR O REDEMOINHO DA FAMA