O flagelo do racismo
O RACISMO CRESCE NO FUTEBOL À BOLEIA DO POPULISMO DE EXTREMA-DIREITA
Vinte clubes italianos divulgaram sexta-feira uma carta aberta onde admitem que o futebol italiano tem um “problema sério” de racismo, reconhecendo que até aqui não fizeram o suficiente para o atacar.
É um embaraço.
O fracasso em atacar devidamente a questão resultou na “transmissão de imagens para todo o Mundo que nos envergonham”, assumem os clubes. Os casos têm sido recorrentes em Itália. Entre os principais alvos tem estado Mario Balotelli, agora a jogar no Brescia. Antes de regressar ao seu país, depois de ter passado pelo Nice e Marselha, o italiano disse que esperava, “com todo o coração”, não ter de passar pelo mesmo que passou da última vez que tinha competido na Série A. “Espero que a Itália tenha dado passos em frente.”
Deu vários atrás.
O último episódio teve lugar há cerca de um mês, com a claque do Verona a imitar o som de macacos quando Balotelli tocava na bola. Revoltado, aos 54 minutos agarrou na bola, pontapeou-a para as bancadas e só não saiu do relvado porque os colegas o convenceram a ficar. Quer o treinador, quer o presidente do clube negaram os insultos, mas os vídeos não deixam dúvidas.
Em setembro, Lukaku foi vítima da claque do Cagliari
e o guineense Ronaldo Vieira dos adeptos do Roma. Moise Kean, Dalbert, Blaise Matuidi e Kalidou Koulibaly estão também entre os que sofreram insultos racistas este ano e no anterior.
Eni Aluko nasceu em Lagos,
na Nigéria, naturalizou-se inglesa e jogava desde o ano passado na equipa feminina da Juventus. A semana passada publicou um artigo de opinião no ‘The Guardian’ onde agradece toda a aprendizagem e sucesso que teve na Vecchia
Signora e justifica por que vai deixar o país. “Turim parece estar algumas décadas atrasada em termos da abertura a pessoas diferentes. Cansei-me de entrar em lojas e sentir como se o dono esperasse que eu fosse roubar alguma coisa”. “Há um problema em Itália e no futebol italiano e é a resposta a isso que realmente me preocupa, de proprietários e fãs que parecem ver [o racismo] como parte da cultura do adepto.”
Além da ignomínia que representa,
o racismo está a retirar competitividade ao futebol do país, a empobrecê-lo. “Se o clube quiser continuar a atrair talento europeu, terá de haver algum foco em fazer com que os jogadores internacionais se sintam em casa”, observa e bem Eni Aluko. O senegalês Demba Ba chegou a sugerir, depois do que aconteceu a Balotelli, que todos os jogadores negros abandonassem a Série A.
Aquilo que as sociedades são vem à superfície no futebol.
Há uma relação entre o crescimento da extrema-direita em Itália e o crescimento do racismo dos ultras dentro dos estádios. A discriminação e o insulto racista estão a emergir noutros países, em França, em Inglaterra, na Alemanha e em vários países do Leste europeu, onde também a extrema-direita cresce. O discurso antiemigração contribui para a legitimação deste comportamento.
A indiferença com que o futebol italiano lidava
com estes casos parece estar a mudar. O Verona teve a parte do estádio onde estavam os ultras que insultaram Balotelli interdita por um jogo. Um dos líderes da claque foi banido até 2030. Para travar a onda de racismo serão necessárias medidas ainda mais severas, que podem ir até à suspensão definitiva do jogo pela equipa de arbitragem e ter adeptos banidos de forma permanente. “Basta”, exclamam os clubes italianos na carta. Veremos até onde vai a sua determinação. A própria UEFA precisa de olhar para este flagelo com ainda maior determinação. Por cá, convém que andemos de olhos e ouvidos abertos.
EM ITÁLIA HÁ RELAÇÃO ENTRE O CRESCIMENTO DA EXTREMA-DIREITA E O RACISMO DOS ULTRAS