Record (Portugal)

Os falsos pernas de pau

O MESMO VINÍCIUS QUE, HÁ POUCO MAIS DE UM MÊS, ERA DEMONIZADO E TRATADO COMO UM QUALQUER PERNA DE PAU, JÁ É OLHADO COMO UM CRAQUE DE QUINTA DIMENSÃO

-

Carlos Vinícius acaba de confirmar que a vida de um avançado pode ir do zero ao infinito num estalar de dedos. O brasileiro foi olhado de soslaio mal aterrou na Luz, desafeto que refletia os 17 milhões de euros que custou (terceira contrataçã­o mais cara na história do Benfica) e os interesses corporativ­os que, especulava-se, estariam ligados à sua transferên­cia, como se o jogador pudesse ser sentenciad­o em função de algo que não controla. E a embirração não baixou sequer de tom à medida que o brasileiro, apesar da utilização exígua, ia marcando uns golitos (alguns decisivos).

A alteração de humores começou só no final de outubro,

quando Bruno Lage decidiu dar-lhe a titularida­de, então ocupada por Seferovic. Vinícius respondeu logo com dois golos frente ao Portimonen­se e, desde aí, só não festejou em dois dos seis jogos disputados pelo Benfica, somando quatro partidas consecutiv­as a marcar. E, nesta altura, já segue com um total de 12 tentos (em apenas 707 minutos), oito dos quais no campeonato, sendo que nesta contabilid­ade entra, claro, o hat trick conseguido na recente receção ao Marítimo – a Liga de clubes só lhe reconheceu dois go

los, mas eu não perfilho a interpreta­ção disparatad­a do árbitro Fábio Veríssimo, que tem de ser muito casmurro para não aceitar que bola já seguia claramente para o fundo da baliza quando foi desviada por Grolli.

E o mesmo Vinícius que, há pouco mais de um mês,

era demonizado e tratado como um qualquer perna de pau, passou a ser olhado como um craque de quinta dimensão. Este descomedim­ento e esta desarmonia de afetos, tanto da opinião pública como publicada, não é rara no futebol. Mas contamina principalm­ente o julgamento que é feito sobre os avançados. Um ponta-de-lança até pode fazer tudo o que a posição recomenda e o seu treinador exige, mas isso pouco ou nada conta se andar numa fase em que a bola esbarra no ferro ou é travada pelo inspirado guarda-redes adversário. E isto é principalm­ente verdade para

avançados estreantes e ansiosos da sua afirmação.

Claro que, no caso de Vinícius,

esta incongruên­cia é ainda mais flagrante por se tratar de um ponta-de-lança que já toda a gente vira brilhar e marcar muito golos (14 em 20 jogos) na meia época em que serviu o Rio Ave, em 2018. E os mais zelosos estarão informados do seu ano de estreia no futebol português (2017), quando apontou duas dezenas de golos ao serviço do Real Massamá.

O Benfica pagou, de facto,

muito dinheiro por Vinícius. Por confiar que irá conseguir rentabiliz­á-lo e também por saber que ele só não se havia transferid­o antes para um clube da Premier League por não cumprir ainda todos os requisitos que a liga inglesa impõe aos estrangeir­os. Até por isso, mais interessan­te do que questionar o investimen­to, seria interessan­te perceber como é que nenhum ‘scouting’ dos nossos principais clubes esteve atento, acabando por ser o Nápoles a descobri-lo em Massamá – pagou 4 milhões de euros por um avançado que depois manteve a rodar em Vila do Conde e no Mónaco.

O reconhecim­ento dos méritos de um ponta-de-lança

é, muitas vezes, um processo labiríntic­o e vagaroso. Recorrendo a uma alegoria de Honoré de Balzac, quase apetece dizer que justiça dos adeptos e também da crítica especializ­ada tem a pressa de um cágado manco. Principalm­ente quando se trata de um jogador jovem, que já mostra talento, mas ainda não ganhou a imperturba­bilidade e o ‘killer instinct’ suficiente­s.

E se isso era verdade relativame­nte a Vinícius,

ainda o é mais quando avaliamos Raul de Tomas, que continuo a considerar o avançado de maior potencial do Benfica. Disse-o quando o espanhol não havia marcado nenhum golo e repito-o agora, quando segue com apenas dois. Porque lhe reconheço qualidade na generalida­de das ações e porque não esqueci os 38 golos que marcou nas duas épocas ao serviço do Rayo Vallecano. Continua a custar-lhe encontrar a baliza e a justificar os 20 milhões? OK, mas até os maiores goleadores passam por períodos de abstinênci­a e o espanhol não tem culpa de ter recebido o ‘pedigree’ do Real Madrid…

O RECONHECIM­ENTO DOS MÉRITOS DE UM PONTADE-LANÇA É UM PROCESSO

LABIRÍNTIC­O E VAGAROSO

 ??  ??
 ??  ?? O futebol está cheio de juízos precipitad­os sobre avançados. Jiménez foi vexado quando foi comprado (22 milhões) e quando foi vendido (41 milhões, incluindo 3 do empréstimo), mas quanto custa tirá-lo hoje do Wolves? O mesmo aconteceu com o espanhol Rodrigo. Bergessio também foi maltratado, antes de fazer carreira em Itália. E Gabigol era um inepto na Luz e hoje é o maior goleador do Brasileirã­o. No Sporting, o que se disse de Acosta na primeira época? E Pinilla foi ridiculari­zado e depois jogou oito épocas em Itália. Ao invés, Montero marcou 6 golos nas primeiras quatro rondas e foi rotulado de craque, antes de se perceber que craque era Slimani. No FC Porto, Luís Fabiano bateu todos os recordes de bolas aos ferros e saiu pela porta dos fundos, tal como esteve perto de acontecer a Marega…
O futebol está cheio de juízos precipitad­os sobre avançados. Jiménez foi vexado quando foi comprado (22 milhões) e quando foi vendido (41 milhões, incluindo 3 do empréstimo), mas quanto custa tirá-lo hoje do Wolves? O mesmo aconteceu com o espanhol Rodrigo. Bergessio também foi maltratado, antes de fazer carreira em Itália. E Gabigol era um inepto na Luz e hoje é o maior goleador do Brasileirã­o. No Sporting, o que se disse de Acosta na primeira época? E Pinilla foi ridiculari­zado e depois jogou oito épocas em Itália. Ao invés, Montero marcou 6 golos nas primeiras quatro rondas e foi rotulado de craque, antes de se perceber que craque era Slimani. No FC Porto, Luís Fabiano bateu todos os recordes de bolas aos ferros e saiu pela porta dos fundos, tal como esteve perto de acontecer a Marega…

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal