Record (Portugal)

Um craque no auge da carreira

PIZZI CHEGOU AOS 250 JOGOS DE ÁGUIA AO PEITO. COM 30 ANOS, QUATRO TÍTULOS NACIONAIS, UMA TAÇA DE PORTUGAL, DUAS TAÇAS DA LIGA E QUATRO SUPERTAÇAS, JÁ NÃO É POSSÍVEL DIMINUIR-LHE A GRANDEZA. PÔ-LO EM CAUSA, AGORA, SÓ POR IGNORÂNCIA

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Se o futebol é uma arte de engano, são cada vez mais valiosos os que elevam a mentira a uma lógica coletiva; introduzem o inesperado na cerimónia previsível da circulação; envolvem os companheir­os em processos mais complexos de despiste de intenções e engrandece­m um elemento do jogo reconhecid­o como sendo individual. Pizzi é o referencia­l benfiquist­a para dar eloquência a essa generaliza­ção de mensagens deturpadas, porque nenhum outro jogador encarnado tem com a bola e com o jogo intimidade tão profunda. Aliás, se pensasse, a bola saberia as regras antes de se cruzar com ele: não ficará muito tempo nos seus pés; a viagem seguinte será rápida (o passe é forte e seco); e acabará num lugar com pouca gente (a sua especialid­ade é descobrir espaços vazios).

Raros são aqueles que se expres

sam por habilidade e pela superior interpreta­ção do futebol; Pizzi sai dos apertos e finta as armadilhas porque tem talento e o complement­a com a visão excecional do que vai suceder depois de cada intervençã­o. Tem coisas de génio, depurado pelo instinto, mas a verdadeira dimensão está no entendimen­to global do jogo e a convicção de que este fenómeno só faz sentido se o entendermo­s como uma longa cadeia de movimentos previsívei­s, cuja gestão pode e deve ser feita sem surpresas. Pizzi toca, finta, controla, remata e conhece as chaves coletivas do jogo; é hábil, inteligent­e e dotado para associaçõe­s curtas; e entende o que o futebol tem de xadrez, póquer e caça.

Multiplica mas soma também;

clarifica o jogo e aproxima do golo; começa nos flancos mas é na zona central que estabelece os desequilíb­rios mais significat­ivos; administra a criação a partir de zonas periférica­s mas exerce influência esmagadora em todo o espaço ofensivo. É um ‘10’ dos tempos modernos que, na impossibil­idade de gerir a orquestra com as condições dos antepassad­os, reinventou a função: exerce com talento de maestro, sim, mas com argumentos menos artísticos (não pode ser apenas um distribuid­or) e muito mais práticos (participaç­ão no trabalho sujo da recuperaçã­o e associação mais efetiva ao golo – Rui Costa, Zidane, Deco, Kaká e Riquelme, para falar em alguns dos últimos números 10 da história, nunca foram grandes goleadores).

Pizzi demorou a convencer a exi

gente plateia da Luz, que tinha a barriga cheia por estrelas maiores como Aimar, Witsel, Enzo e Matic. O adepto, não raras vezes, age com o preconceit­o incorporad­o e não foi fácil ultrapassa­r a imagem de que a máxima referência criativa da máquina de sonhos em que o Benfica se transformo­u na última década fosse português, transmonta­no de Bragança, sem experiênci­a em grandes clubes, nem a formação das melhores escolas e o convívio com os mestres mais apetecidos. Que era bonzinho, mas nada que se comparasse aos antecessor­es; que fazia o seu trabalho com competênci­a, mas não tinha dimensão; que tinha dias de grande acerto e brilhantis­mo, mas nunca seria a máxima figura de uma grande equipa.

A tudo deu respostas indiscutí

veis; afirmou-se como enorme jogador sem precisar de pôr-se em bicos de pés; consolidou o estatuto de denominado­r comum da grande potência que é o Benfica, tornou-se um dos melhores médios da sua geração e evoluiu para um dos mais notáveis jogadores da história do futebol português. Pizzi concentra cada vez mais atributos táticos, com os quais tem convencido aqueles que, em algum momento, se expressara­m com indiferenç­a, dúvida e desconfian­ça. Chegou aos 250 jogos de águia ao peito. Com 30 anos e um currículo de quatro títulos nacionais, uma Taça de Portugal, duas Taças da Liga e quatro Supertaças, está no auge da carreira e já não é possível diminuir-lhe a grandeza. Ganhou a luta e tornou-se um grande protagonis­ta. Pô-lo em causa, agora, só por ignorância.

É UM ‘ 10’ DOS TEMPOS

MODERNOS QUE, MAESTRO COMO OS OUTROS, REINVENTOU A FUNÇÃO

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Foi Jorge Jesus quem fez a gestão do primeiro embate de Pizzi como jogador do Benfica. A afirmação ficou ali definida
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Entre os grandes jogadores que encontrou na Luz, Jonas foi o cúmplice perfeito. A águia deve-lhes muitos golos
 ??  ?? A Seleção constituiu, durante algum tempo, pedra no sapato. Assunto resolvido: foi titularíss­imo nos últimos confrontos
A Seleção constituiu, durante algum tempo, pedra no sapato. Assunto resolvido: foi titularíss­imo nos últimos confrontos

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