Record (Portugal)

O CAMPEÃO QUE PAROU OS AÇORES

Um clube que se confunde com a vila de pescadores, com um treinador que é barbeiro e um presidente que gere a junta de freguesia

- ANDRÉ MARTINS

RABO DE PEIXE COMBATE O ESTIGMA SOCIAL COM FUTEBOL

Sempre disse que quando fossemos campeões, Rabo de Peixe ia parar, mas afinal parámos o Mundo!”. A frase, meio a rir meio a sério, é de João Flôr, capitão do Desportivo de Rabo de Peixe, o novo campeão açoriano. O maior clube da vila piscatória do concelho da Ribeira Grande, em São Miguel, conquistou o primeiro título da sua história no passado dia 8, mesmo antes do futebol, e todo o desporto em geral, entrar em quarentena devido à pandemia de Covid-19.

Um título que levou a festa até uma freguesia mais habituada a ser notícia por maus motivos: é a localidade com maior percentage­m de pessoas com Rendimento Social de Inserção, com bastantes estigmas associados. Os quase 10 mil habitantes, grande parte deles dependente­s da pesca, soltaram as roqueiras [foguetes, em micaelense] e juntaram-se a uma equipa que escreveu uma história fantástica. “Eles foram fundamenta­is na conquista deste título, acompanhar­am-nos do início ao fim, tanto na derrota como no empate e na vitória. Este título também é da massa associativ­a”, afirma a Record o capitão dos “pescadores”. João Flôr é a alma viva deste clube nascido há 35 anos. O dono da braçadeira da equipa – que também é mestre de embarcação - entrou para o Desportivo quando tinha apenas oito anos. “Já são 24 anos aqui, sabe?”, atira, enquanto vai mostrando com orgulho o seu barco, que só se podia chamar “Glória”. Pois é, o médio João Flôr, de 32 anos, divide os chutos na bola com a pesca da lula.

Aos 17 anos, por doença do pai, viu-se obrigado a interrompe­r os estudos e fazer-se ao mar. A necessidad­e de ajudar a família calou a vontade de seguir com os estudos. “Os rendimento­s eram poucos e assim tive de ir trabalhar. Ainda acabei o nono ano mas queria ter tirado o 12º. Não consegui porque tinha de trazer rendimento­s para casa e só o meu irmão é que trabalhava, ajudava o meu pai”, explica.

A força da faina

Ser pescador não impediu João Flôr de continuar a defender as cores do Desportivo. Aliás, só lhe deu mais força. “É um orgulho enorme ser pescador e é por isso que eu digo que amor que eu tenho ao clube faz com que eu consiga treinar, jogar e ir para a pesca”, frisa, determinad­o. Entre isto tudo, dormir fica para segundo plano. Com treinos das 20 às 22 horas, só tem tempo para fechar os olhos por breves instantes pois à uma da manhã tem de sair para o mar. Regressa quase 12 horas depois, e como é o mestre da embarcação ainda tem de deixar o barco preparado para o próximo dia, antes de ir buscar os filhos à escola e retomar novamente o ciclo.

Capitão e mestre, na hora de decidir qual será mais difícil de gerir, se uma equipa ou uma embarcação, o médio dos campeões açorianos não tem dúvidas: “Ambas são difíceis [risos]. Os chefes são para mandar e os líderes são aqueles que ajudam. Penso que sou um líder pois consigo colocar os meus colegas atrás de mim.”

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