Futebol rico, futebol pobre
HÁ UMA MALHA DEMASIADO GRANDE DE CLUBES QUE ESTÁ ENTREGUE A UMA ECONOMIA PRECÁRIA DO AGENTE DE TURNO, QUE TRAZ JOGADORES AFRICANOS, ASIÁTICOS E BRASILEIROS E OS ABANDONA QUANDO DEIXAM DE SER FONTE DE RECEITA
çA crise da Covid-19 está a atingir com uma profundidade nunca vista em todo o Mundo e também o futebol. Receitas em queda total, estádios fechados, clubes a falir, campeonatos de todo o tipo e escalões sem perspetivas de regresso, a sinistra perspetiva de virmos a ter muitos campeões de secretaria por essa Europa fora.
O futebol, como se sabe, é a mais importante de todas as coisas que não são importantes na vida, mas é um elemento essencial das sociedades modernas. Tem um impacto económico, uma função social, uma dimensão de entretimento coletivo, um papel agregador e de socialização, que é raro encontrar noutra atividade humana.
Por cá, como noutras partes do Mundo, o futebol uniu-se (dentro do possível) e está a dar o seu contributo para suprir as carências que esta crise destapou ainda mais no nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS). A solidariedade do futebol rico, que hoje já cabe em metade dos dedos de uma mão, tem sido noticiada a par das medidas de contingência financeira para a crise. E aí percebe-se ainda mais a fratura gigantesca que está a destruir o nosso futebol. Os que ainda têm algum valor económico, contas equilibradas e reserva de tesouraria, podem não cortar salários e pensar no futu- ro, um pouco que seja. Todos os outros olham para a frente e veem um imenso buraco negro pela frente. Esta crise veio mos- trar de uma forma cruel o mun- do de futebol rico e de futebol muito pobre em que vivemos.
E o mundo dos muito pobres é terrível no futebol. A sucessão de notícias sobre futebolistas estrangeiros que campeiam nos nossos campeonatos e que foram abandonados à fome e à miséria é a metáfora impiedosa do ponto a que chegámos. Ou seja, uma malha demasiado grande de clubes que está entregue a uma economia precária do agente de turno, que traz jogadores africanos, asiáticos e brasileiros ao preço da uva mijona. Que lhes paga miseravelmente e os abandona quando deixam de ser fonte de receita dos ditos agentes de vão de escada.
Seria bom que a Autoridade para as Condições de Trabalho olhasse para isto. Já o devia ter feito para evitar este estado de coisas em que os jogadores já não pertencem aos clubes nem estes aos sócios. O Mundo está a mudar e não sabemos bem o que aí vem. Há de vir uma nova forma de fazer política (esperamos), de organizações e de geopolítica. Mas nesse novo Mundo não há de mudar o valor e a importância do maior ativo que o futebol tem. Que são os jogadores, sejam eles profissionais ou amadores.