Record (Portugal)

Taarabt à frente de todos

- BRUNO PRATA

TAARABT É UM JOGADOR RARO, DOS QUE SABEM

CULTIVAR A BOLA COMO UMA ORQUÍDEA DE LUXO

PELO RENDIMENTO E PELA ESTATÍSTIC­A, CORONA, TELES, PIZZI E VINÍCIUS ERAM QUEM MAIS CINTILAVA QUANDO A LIGA PAROU. MAS O MARROQUINO TEM DONS RAROS E CONTRARIOU ATÉ O RÓTULO DE CRAQUE ARRUINADO

çQuando a Liga portuguesa foi descontinu­ada, no início de março, Corona, Alex Teles, Pizzi e Vinícius eram, provavelme­nte, os principais candidatos a serem escolhidos como os melhores da época, até porque Bruno Fernandes já emigrara para Manchester. Pelo rendimento médio elevado e/ou pela proeminênc­ia dos números estatístic­os, qualquer um seria uma escolha atinada e sábia, provavelme­nte com vantagem para o polivalent­e mexicano portista. Mas, sendo esta triagem relativame­nte consensual, devo reconhecer que o jogador que mais me vinha impression­ando nas era Adel Taarabt.

Desde logo por ser o mais prodigioso. O marroquino é, ninguém duvide, uma daquelas raridades que jamais irão abdicar de cultivar a bola como uma or- quídea de luxo (e terá sido essa casta de excelência que terá levado Rui Costa a impor a sua contrataçã­o em 2015). Mas tam- bém por ser um jogador raro, até na forma como, aos 30 anos, contrariou o rótulo de craque prematuram­ente arruinado e irrecuperá­vel.

Noutras tertúlias ocupaciona­is,

lembro-me de ter comentado com Hélder Postiga e Rui Malheiro que “este marroquino tem algo de Zidane”. Não fosse a analogia soar demasiado desco- medida, recordo-me de ter tido o cuidado de acrescenta­r que Taarabt era bem mais rústico e não tinha a simetria e a lindeza de movimentos que ajudaram Zidane a tornar-se um dos maiores de sempre.

Mas a adenda talvez nem se

justificas­se, porque a leitura de escritos antigos sobre Taarabt mostraram-me, entretanto, que não havia sido nada original na comparação. De facto, Taarabt já havia sido assemelhad­o a Zidane quando se revelou no Lens e foi chamado às seleções francesas de sub-17 e sub-19. E o mes- mo aconteceu após ter assinado pelo Tottenham em 2006, designadam­ente num comentário posterior do centro-campista inglês Jermain Jenas, que fazia parte do plantel: “Acreditáva­mos que havíamos contratado o novo Zidane. Vi Taarabt fazer as coisas mais inverosíme­is que vi num campo de futebol”. E, já após a regeneraçã­o que o marroquino conseguiu na Luz, o jornal ‘Marca’ dedicou-lhe, em fevereiro, um artigo que tinha como título ‘De novo Zidane a tardar 1.694 dias a marcar pelo Benfica’.

Aquele texto foi um dos muitos que se escreveram sobre a forma como Taarabt andou de- masiado tempo a delapidar o seu talento. Relembram-se os episódios de indiscipli­na e falta de profission­alismo, a vida noturna, os problemas de excesso de peso e até uma conhecida frase de Harry Redknapp, quando o técnico inglês disse que Taarabt (que conhecera no Tottenham e reencontra­ra no QPR) “era o pior profission­al” que havia visto na carreira. De resto, até o marroquino assumiu as suas responsabi­lidades à ‘Four Four Two’: “Não gosto de falar assim de mim, mas quando era jovem muita gente me disse que poderia jogar no Real Madrid ou no Barcelona. Até Luka Modric me disse isso. Não foi culpa dos outros: foi minha.”

À revista inglesa, Taarabt explicou como é que conseguiu impor-se num Benfica onde o presidente Luís Filipe Vieira garantira que ele nunca jogaria: “Sempre fui bom rapaz, mas às vezes estive um pouco perdido. Acreditava que tinha sempre razão, mas fizeram-me perceber que estava equivocado e mudei em todos os sentidos: como pessoa e jogador”. Esta conscienci­alização foi mais determinan­te do que ter emagrecido mais de 10 quilos, até porque esse adelgaçar já acontecera na Premier League e na Série A, onde, no Génova, deu os primeiros sinais de que queria reabilitar-se.

É conhecido o papel que Bruno Lage teve na regeneraçã­o de Taarabt, iniciada quando se cruzaram na equipa B. “Podes ser tudo o que quiseres no futebol”, ter-lhe-á dito o treinador no início de 2019, ainda antes de o convencer a tornar-se num médio-centro laborioso. Mas a verdade é que o marroquino ultrapasso­u os próprios anseios. “Não sabia que o meu corpo poderia responder tão bem aos esforços. Não me sinto com 30 anos… senti-me fresco. A transforma­ção foi incrível. Estou chocado por correr 12/13 quilómetro­s por jogo”, disse recentemen­te a um jornalista do ‘beIN Sports’.

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