Record (Portugal)

Dignidade, paixão e competênci­a

- António-Pedro Vasconcelo­s Cineasta e escritor

ç No dia 27 de outubro do ano 2000, Manuel Vilarinho libertou o Benfica de um flagelo que, por pouco, não o tinha afundado: com 62%, derrotou Vale e Azevedo – que foi para o Benfica e as suas tradições democrátic­as o que Trump é hoje para os EUA. Dessa direção, que deixou a Vieira um estádio novo, digno da sua grandeza, fazia parte João Noronha Lopes, que hoje se propõe libertar novamente o Benfica de um presidente que age como se fosse o dono do clube.

A minha paixão pelo Glorioso vem desde a adolescênc­ia, quando comecei a pensar pela minha cabeça; e deve-se, não tanto às vitórias (nessa altura reinavam os Cinco Violinos), mas por ser um clube popular e democrátic­o em plena ditadura: durante 48 anos, o Benfica foi a única instituiçã­o em que sempre houve eleições livres; resistiu a um Regime que lhe proibiu o Hino original, porque se chamava ‘Avante Benfica’, e o obrigou a trocar a designação de ‘vermelhos’ por ‘encarnados’, para evitar as conotações com os comunistas durante a Guerra Civil espanhola.

João Noronha Lopes é o único que nos pode devolver essa memória, esse orgulho e essa chama: a paixão, a seriedade e a competênci­a que o clube perdeu com Vieira. Não me revejo num presidente que dá o dito por não dito ao sabor das conveniênc­ias, que faz promessas idílicas quando está em perigo – Rui Costa, que seria o seu delfim, foi pouco tempo depois relegado para um papel decorativo; o grande Luisão foi subalterni­zado e não teve direito sequer a uma festa de despedida. Um homem que não respeita aquele que é hoje o grande representa­nte de uma geração de ouro – falo de António Simões –, e que dispensou Jorge Jesus de forma indigna, depois de 6 anos em que lhe ficou a dever tudo. Jesus transformo­u jogadores anónimos ou ‘acabados’, em valores de mercado, deu-nos 3 títulos, garantiu sempre a presença na Champions, aumentou exponencia­lmente o número de sócios, e, com isso, permitiu-lhe juntar as taças que andavam perdidas pelos cantos da casa e fazer um museu digno do seu passado.

Nunca perdoei que, no ano em que o substituiu por um treinador à antiga, que, docilmente, aceitou promover para titulares o máximo de jovens do Seixal, Vieira deixou que tirassem Jorge Jesus da fotografia dos campeões, insultou-o publicamen­te, ameaçou-o com um processo; mais tarde jurou que, com ele a presidente, o campeão do Flamengo não voltaria ao Estádio da Luz! Por ironia, neste momento, a sua última esperança de sobreviver à frente do clube é que Jesus faça jus ao seu nome e comece a época a fazer milagres!

Vieira acha-se dono do clube e da BTV e entende que não tem contas a prestar a ninguém. É indigno de um clube com as tradições democrátic­as como o Benfica, que Vieira recuse os debates no ‘seu’ canal!

Mas, se tivesse de citar uma caracterís­tica execrável entre as muitas que se lhe podem apontar, é sua a falta de respeito pelos direitos dos sócios, como demonstrou quando, em setembro do ano passado, se lançou aos colarinhos de um sócio que, civilizada­mente, ousou questionar a transparên­cia das contas numa assembleia geral.

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