O segundo ato de Jorge Jesus
CINCO ANOS DEPOIS DE TER ENCERRADO UM PRIMEIRO ATO COM SEIS CAPÍTULOS, JORGE JESUS REGRESSOU AO BENFICA. É A PRINCIPAL MOVIMENTAÇÃO DE UM MERCADO MAIS REVOLTO DO QUE SERIA SUPOSTO E QUE AGITARÁ SEGURAMENTE AS ÁGU(I)AS. OS PRIMEIROS SINAIS, QUER NO ATAQUE AO MERCADO, QUER NO EDIFICAR DE UM MODELO DE JOGO QUE PONTAPEOU A PLACA ‘ALUGA-SE CORREDOR CENTRAL’ PARA PARTE INCERTA, SÃO CONTUNDENTES
çApós consagrar-se rei no além-mar, com um trabalho resplandecente no Flamengo, reconduzindo o histórico carioca às glórias nacionais e internacional há muito perdidas, bem atestadas na conquista de 5 títulos e troféus, Jorge Jesus volta ao Benfica para assinar o seu sétimo capítulo – o primeiro de um segundo ato – como treinador das águias e ao futebol português, que recupera uma figura incontornável da sua última década e meia, seguramente o treinador mais influente desde a saída de José Mourinho do FC Porto.
Entre seis temporadas como treinador do Benfica e três no comando técnico do Sporting, Jesus ganhou muitos títulos e troféus – 3 campeonatos, 1 Taça de Portugal, 6 Taças da Liga, 2 Supertaças – e também perdeu muito – por exemplo, 6 em 9 campeonatos (3 no Benfica; 3 no Sporting) –, algumas vezes com estrondo retumbante, como no ocaso despedaçador do exercício 2012/13, ao ver fugir, em pouco mais de duas semanas, Campeonato, Liga Europa e Taça. A sua voracidade na constituição dos plantéis e no assalto ao mercado também lhe permitiu usufruir, tanto na Luz como em Alvalade, de jogadores que mais nenhum treinador teve à sua disposição. Mas é igualmente verdade que mais nenhum técnico conseguiu valorizar tantos ativos e proporcionar transferências tão avultadas. Porque se é verdade que só por uma vez chegou aos ‘quartos’ da Champions, também é válido que conduziu o Benfica, em duas situações, a finais europeias, o que não acontecia há mais de duas décadas. Só que bem acima dos títulos e dos troféus estão três marcas: a cultura de exigência que impõe a todos os que o rodeiam; a competência esdrúxula no treino com transporte claro para o terreno de peleja; e a bandeira da qualidade superlativa de jogo, fator que o deixa sempre mais perto de estar na luta pelas grandes conquistas e de exponenciar de forma pungente os jogadores em quem aposta, que se tornam definitivamente mais completos e mais apetecíveis.
Há 11 anos, quando assumiu a sucessão de Quique Flores, debutando como treinador de um grande, Jorge Jesus prometeu que a equipa jogaria o dobro. Ultrapassando a questão de que o dobro de zero é zero, o Benfica, metamorfoseado em rolo compressor, jogou bem mais do que isso, aliando uma curiosidade que o sorvedouro do tempo extinguiu. É que apenas 3 jogadores – Javi García, Ramires e Saviola – do ‘onze-base’ de Jesus, aos quais se poderá juntar Fábio Coentrão, regressado de múltiplos empréstimos, eram novidade em relação ao exercício anterior, concluído no 3.º lu
VALORIZOU ATIVOS E PROPORCIONOU TRANSFERÊNCIAS COMO MAIS NENHUM OUTRO
gar a 11 pontos do campeão FC Porto. E que, desse plantel, saíram algumas das principais unidades, como Reyes, Katsouranis e Suazo, enquanto uma dezena de reforços – César Peixoto e Weldon, que se juntaram a Rúben Amorim e a Carlos Martins nas principais escolhas suplementares, foram exceção – escolhidos pelo amadorense nos dois mercados ficaram bem aquém do esperado. Mas aquilo que tornava o desafio de Jesus mais hercúleo, aspeto com o qual não conviverá em 2020/21, era o de pegar num histórico que perdera a cultura de vitória que o guindou ao patamar de colosso. Em 15 anos, o Benfica somara apenas um título de campeão, sob o comando técnico de Trapattoni e com uma qualidade futebolística de bradar aos céus, aos quais juntara 4 vice-campeonatos, 7 terceiros lugares, 2 quartos postos e uma impensável sexta posição no dealbar do novo século. E, ainda pior, desde o êxito com a velha raposa, o Benfica somara 3 terceiros lugares e 1 quarto posto, permitindo que o FC Porto conquistasse um tetracampeonato e o Sporting quatro vice-campeonatos sucessivos. Passaram-se 11 temporadas – com Jesus em nove delas como protagonista – e os leões nunca mais concluíram um campeonato à frente das águias na tabela classificativa. E a única vez que lutaram com os encarnados pela conquista do título até à última jornada ocorreu em 2015/16. A primeira época de Jorge Jesus como treinador dos verdes e brancos, também aquela em que os seus seis anos de trabalho de Benfica ainda eram bem visíveis nos desempenhos rubros. Onze anos depois de iniciar o primeiro capítulo, Jesus encetou o segundo ato como treinador dos encarnados. Com um discurso mais escorreito e burilado, mas sempre entusiasmante, prometeu que o Benfica jogará o triplo do que fazia no final abúlico do exercício anterior.
Algo que não será complicado, já que a degradação gradual da qualidade de jogo pautou os desempenhos dos encarnados de época para época no pós-JJ, com a exceção da passagem de testemunho de Vitória para Lage, que começou por produzir um efeito extremamente positivo até se extinguir em pouco mais do que nada. Perceber que o plantel que Jesus recebe é qualitativamente inferior ao de há mais de uma década é mais do que óbvio, como também é facilmente percetível que os rivais não possuem os mesmos argumentos de então. Portugal foi perdendo o estatuto de ponte de passagem entre a América do Sul e os principais emblemas das ligas de topo do futebol europeu, que perceberam que reforçar as equipas de scouting permitiria afiançar extraordinárias jogadas de antecipação.
Só que a cultura de exigência de Jorge Jesus, principal bandeira de Luís Filipe Vieira para as primeiras eleições em que terá um adversário a sério, conduziu a um assalto veemente ao mercado que ainda estará bem longe de conhecer um ponto final.
Tudo começou com as aquisições sem folclore mediático de Pedrinho, criativo canhoto contratado ao Corinthians, de Helton Leite, visto como concorrente de Vlachodimos, e de Gilberto, um lateral-direito mais profundo do que André Almeida, mas ainda a necessitar de perceber melhor o que o amadorense pretende em momento defensivo, até chegarem os cabeças de cartaz. Primeiro, o tridente formado por Vertonghen – claramente talhado para o papel de líder do sector defensivo e capaz de ofertar uma saída de bola limpa e capaz de queimar linhas de forma criteriosa –, Waldschmidt – uma unidade móvel de ligação entre o meio-campo e o ataque, com qualidade técnica, sagacidade na decisão, e impetuosidade no remate com a canhota –, e Everton, virtuoso internacional brasileiro com drible mordaz, último passe e sentido de baliza. Depois, falhada a aquisição de Cavani, após um longuíssimo folhetim, chegou Darwin Núñez, um jovem avançado internacional charrua, capaz de conciliar poder físico, mobilidade, imprevisibilidade e contundência no ataque à profundidade, que Jesus pretenderá metamorfosear numa máquina de fazer golos.
Tudo somado, um investimento que se cifra numa verba a rondar os 82 milhões de euros, aos quais se deverá juntar ainda o prémio de assinatura de Vertonghen, porque nesse patamar o custo zero não existe. Mas que não ficará por aqui, pois JJ quererá ainda, pelo menos, um defesa-central, mais um avançado, e, muito provavelmente, um médio-centro que não o deixe atado a uma bomba-relógio como Taarabt na posição 8, absolutamente fulcral, com e sem bola, no seu modelo de jogo.