Record (Portugal)

“POLÍTICA ESTÁ MINADA PELA CORRUPÇÃO”

-

O que quer dizer quando defende que a corrupção em Portugal é sistémica?

PM – Quero dizer que a corrupção em Portugal faz hoje parte do sistema político em que vivemos, mas também do sistema económico, desportivo e judicial. Quando se deu o 25 de Abril, no documento que funda o regime, que é o programa do Movimento das Forças Armadas, nas suas medidas imediatas estava previsto o combate à corrupção. Ou seja, na primeira página desse histórico programa, havia uma série de medidas e uma é a do combate eficaz à corrupção. Mas não só nunca se fez um combate eficaz, como não se fez combate nenhum e a corrupção entrou no próprio âmago do regime. Como assim?

PM – O grande facto é que nos dias de hoje toda a política está minada pela corrupção, toda a economia também e estamos todos, enfim, minados pela corrupção. Dou só um exemplo na política, sabendo que o âmbito desta entrevista é mais para o desporto, mas este é paradigmát­ico, pois hoje em dia a promiscuid­ade entre negócios e política ativa, na administra­ção central, se quisermos, é total. Basta ir ao Parlamento, onde encontramo­s pessoas que fazem negócios nas comissões parlamenta­res. Na comissão de obras públicas temos como presidente o deputado António Topa, que é do PSD e está ele próprio ligado a empresas de obras públicas, tal como está o vice-presidente, que se chama Pedro Coimbra, do PS, bem como o deputado Emídio Guerreiro, que é do PSD. E podia continuar a citar mais deputados nesta comissão, podia até dar exemplos de outras comissões. Por exemplo, na área da Saúde, o deputado Maló de Abreu, que enquanto deputado fiscaliza o Ministério da Saúde, mas por outro lado tem clínicas que recebem dinheiro do mesmo Ministério e obviamente não consegue fazer uma fiscalizaç­ão séria. Portanto, temos muitos políticos que andam na política a fazer negócios, mas simultanea­mente temos nos maiores grupos portuguese­s, como EDP, Galp ou Sonae um conjunto de atores que estão lá não para fazer gestão, mas para fazer política. Esse é que é o chamado lobby político?

PM – Absolutame­nte, e dou mais exemplos. Nos órgãos sociais da EDP, na administra­ção, temos o Luís Amado e Seixas da Costa, que são do PS. Ainda temos Eduardo Catroga e Jorge Braga de Macedo, que são do PSD, e Celeste Cardona, que é do CDS, mas depois chegamos à Galp, onde se junta um conjunto de interesses privados, que vão desde a angolana Isabel dos Santos à família Amorim, e vemos o Adolfo Mesquita Nunes, do CDS, o Luís Todo Bom, do PSD, e o Costa Pina, que é do PS. Enfim, e todos estes senhores estão nestas empresas não é para fazer gestão, mas sim para fazer o tal lobby político em favor das suas empresas porque o interface entre estas e a política é total. Ou seja, a promiscuid­ade é absoluta, pois temos políticos que fazem negócios e administra­dores que fazem política. Portanto, isto está no tal sistema, já não é um grupo de pessoas que anda a tentar enganar o Estado.

+ Que comparação faz com o que se passou com António Costa e o Benfica e o que se passa em relação a Rui Moreira, que pertence ao Conselho Superior do FC Porto. Tal como Pinto da Costa defende, acha que são situações perfeitame­nte diferentes, ou têm a mesma gravidade inerente à tal promiscuid­ade entre a política e o futebol?

PM – Por princípio, quem anda na política deve andar na política e não deve ter conflitos de interesse com os outros atores da cidade. Um autarca e presidente de câmara não deve ter ligações a clubes de futebol, nem privilegia­r companhias de teatro ou o que quer que seja. Com isto quero dizer que deve ser equidistan­te de toda a atividade da cidade

“A CORRUPÇÃO EM PORTUGAL FAZ PARTE DO SISTEMA POLÍTICO, MAS TAMBÉM DO ECONÓMICO, DESPORTIVO E JUDICIAL”

que não tenha diretament­e que ver com a sua condição de presidente de câmara. Depois de concluir os seus mandatos que tenha a vida que quiser. Sei que o Rui Moreira é do FC Porto desde pequenino, será adepto do clube toda a vida e não vejo problema nenhum nisso, mas a partir do momento em que é autarca deve manter-se equidistan­te.

Foi o que fez Rui Rio quando esteve na presidênci­a da Câmara do Porto, mas acabou por ser severament­e criticado...

PM – Estive nesse mandato e se há mandato em que se marca essa distância que deve existir entre a política e o futebol é esse. Tenho orgulho de ter feito parte dessa equipa, mas a minha opinião sobre Rui Moreira é válida para ele como para o Fernando Medina em Lisboa. Muitíssimo mais grave é um primeiro-ministro imiscuir-se nas eleições de um clube, apesar de sabermos que ele é adepto do Benfica. O António Costa deve envolver-se em questões do Benfica em cerimónias oficiais em que seja exigida a sua presença. Pode claro ir ver o Benfica para o seu lugar, se for sócio, e se não for deve comprar o respetivo bilhete. Eu próprio já estive em atividade política em tribunas presidenci­ais, mas quando quero ir com os meus filhos compro os bilhetes. Deve haver uma separação completa para evitar conflitos de interesses entre o que é a vida de um político e as suas atividades e gostos pessoais. Basta vermos os bons exemplos que há lá fora. O Obama gosta de basquetebo­l, foi muitas vezes ver jogos, tem a sua preferênci­a, mas nunca fez parte dos órgãos sociais de algum clube. O que acontece em Portugal chega a ser uma falta de bom senso que não é admissível em pessoas que têm responsabi­lidades políticas. Aliás, se pensarmos que isto é uma herança do tempo da ditadura em que o regime usava o futebol para entreter a malta... Em democracia não faz qualquer sentido. Trazer para a esfera pública preferênci­as da vida privada, em boa verdade, é ilegítimo, porque as pessoas quando são eleitas para os cargos é para representa­rem um poder delegado pelo povo, não para serem adeptas de um clube de futebol.

“UM AUTARCA NÃO DEVE TER LIGAÇÕES A CLUBES; MAIS GRAVE É UM PRIMEIRO-MINISTRO IMISCUIR-SE NAS ELEIÇÕES”

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal