“SISTEMA FAVORECE PRESENÇA DE JAGUNÇOS”
Considera que há corrupção no desporto e em particular no futebol? Já é algo que se enraizou na própria sociedade?
PM – Sem dúvida, pois ela sente-se nas mais variadas facetas da vida social e económica, mas claro que também, obviamente, no desporto e no futebol. Quando falamos dos casos que aconteceram com Vale e Azevedo é corrupção, quando falamos de Valentim Loureiro e do caso Apito Dourado claro que é corrupção, quando falamos da recente acusação de Luís Filipe Vieira na sequência da Operação Lex, isto é corrupção. Mas há corrupção a este nível e também nas áreas em que há interface com a política, seja nacional ou autárquica. A este nível, por exemplo, há um caso no Porto, que é do Sport Club do Porto, em que a direção consegue terrenos cedidos pela câmara para fazer desporto e depois acaba lá um empreendimento de luxo, isto é corrupção. Quando falamos também do
“QUANDO FALAMOS DA RECENTE ACUSAÇÃO DE LUÍS FILIPE VIEIRA NA SEQUÊNCIA DA OPERAÇÃO LEX, ISTO É CORRUPÇÃO”
campo do Salgueiros, que é vendido ao Metro por 8,750 milhões de euros quando a avaliação era inferior a 5 milhões, isto também é corrupção. Agora pergunta-me se isto é corrupção no desporto? Digo que não, pois é a corrupção que faz o tal interface com a política autárquica e outros tipos de atores, nomeadamente os promotores imobiliários.
Também estamos aqui a falar de uma natural evolução da própria corrupção?
PM – Obviamente. Há 30 anos, quando se falava da corrupção no desporto, falava-se essencialmente do que era habitual, em casos de compras de árbitros, de processos como vem relatado no famoso Apito Dourado, onde havia árbitros que eram convidados para noites com prostitutas e hoje em dia essa corrupção já é considerada pré-histórica.
Mas quais são as áreas estritamente no desporto que mais o preocupam?
PM – Por um lado há a questão das claques que, do meu ponto de vista, é uma situação gravíssima, já que neste momento o sistema favorece a presença de jagunços organizados que não só não ajudam o desporto como prejudicam a própria atividade desportiva, em que se assiste a fenómenos inexplicáveis, sobretudo nos grandes clubes, em que estes apoiam as claques das mais diversas formas, mas ao mesmo tempo pagam à PSP serviços gratificados para controlarem os desmandos que fazem as próprias claques. Julgo que a área das claques é muito sensível e onde tem de haver uma atuação muito rápida. Não pode haver claques à solta por todo o País. E depois há um segundo aspeto, que também é gravíssimo e o Football Leaks incide muito nessa matéria, que é a questão das transferências de jogadores e junto nesta área a aquisição de quota de SAD e de clubes inteiros por parte de oligarcas. Isto são fenómenos invariavelmente de fuga ao fisco nas transferências, aliás o Football Leaks com Rui Pinto traz isso muito à tona, até porque estamos a falar de muitos mercados, de muitas offshores e empresas-fantasma. Enfim, de muitos instrumentos veículo para transferir capital. Há também um claro branqueamento de capitais. Não acredito que os oligarcas russos que andaram a comprar clubes em Inglaterra o tenham feito com dinheiro legitimamente ganho, até “ÁREA DAS CLAQUES É UMA SITUAÇÃO GRAVÍSSIMA E MUITO SENSÍVEL. NÃO PODE HAVER CLAQUES À SOLTA PELO PAÍS”
porque a oligarquia russa anda sempre ligada a outras atividades ilícitas.
Já temos exemplos que acabaram mal por cá, com clubes literalmente a desaparecer, após terem permitido a entrada de capital estrangeiro. O que fazer
para evitar isto?
PM – Naturalmente tem de haver um controlo mais apertado das autoridades e neste caso das próprias leis do desporto. Mas isto em geral acaba sempre mal porque a atividade desportiva tem uma nobreza que não pode estar associado a isto.
Como é que enquadra o ‘match-fixing’ neste quadro global de corrupção?
PM – Com muita preocupação, pois acho que neste momento é uma questão que está completamente descontrolada. As apostas desportivas estão em alta e é nos países em que a corrupção está mais visível que é mais fácil fazer combinação de resultados. Todos sabemos que com apostas feitas na China, com odds de 1 para 300, conseguem-se perfeitamente ganhos que salvam até alguns clubes da falência. Ou seja,
“TODA A GENTE SABE QUE COM APOSTAS FEITAS NA CHINA, COM ODDS DE 1 PARA 300, CONSEGUE-SE SALVAR CLUBES DA FALÊNCIA”
uma aposta bem organizada e planeada em que um clube se prontifique a perder, pode ‘fazer’ o orçamento de um ano através da perda de um simples jogo.
Isto é tentador, mas obviamente não é legítimo e aceitável e o desporto não é isto, como é evidente. O que é facto é que ficam mais vulneráveis os países mais pobres, como é o nosso caso, e isto faz-se normalmente nas ligas secundárias, como já aconteceu aqui em Portugal com a Operação Jogo Duplo, em 2016. Isto é a apenas a chamada ponta do icebergue e é importante que as autoridades intervenham aí e não é a opinião pública que tem de sensibilizar as autoridades. Estas têm mesmo de intervir e em força, porque caso contrário qualquer dia as pessoas vão colocar os seus filhos a jogar futebol para terem uma atividade saudável e até para fugirem de outros vícios e quando dão por ela eles estão a alimentar outras realidades perversas. Claro que isto pode acontecer em qualquer lado, mas está mais propício a acontecer num país como o nosso que, em termos de transparência, está na cauda da Europa.
É isso que diz o Índice de Perceções da Corrupção, que coloca Portugal em 30.º lugar, num total de 180 países?
PM – É isso mesmo. Atenção que estamos melhor do que Angola e do que a Somália, como é óbvio, mas em termos de espaço europeu estamos no grupo dos piores quatro, que são Portugal, Espanha, Grécia e Itália. Há aqui um exemplo à parte, que tem um nível de corrupção muito mais agravado, que é Malta, ilha que até está ligada muito à área do futebol e por via das offshores, muitas das quais são de portugueses que fazem transferências de jogadores. Certo é que estamos no pior grupo a esse nível, mas o que é mais grave aqui não é estarmos agora em 30.º lugar desse índice, é que em 2000 estávamos em 23.º lugar. Ou seja, na década de 2000 a 2010 Portugal foi o país que mais se depreciou em termos de corrupção. Estávamos num patamar até relativamente aceitável, a par da Irlanda, por exemplo. Isto quer dizer que descemos e nunca mais saímos da cauda da Europa. Há aqui uma forte correlação entre transparência e desenvolvimento. Não há países desenvolvidos corruptos nem países corruptos desenvolvidos, há aqui uma correlação negativa, pois, em média, os países mais corruptos são os menos desenvolvidos. Mais: em certos contextos, como é o caso da Europa, está demonstrado que a qualidade dos serviços de saúde, por exemplo, é tanto maior como menor é a corrupção. Portanto, temos de combater a corrupção senão deixamos de ter acesso a coisas básicas da própria sociedade em geral.
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