Diogo Jota, muito mais do que Traoré
O EXTREMO DE MASSARELOS TEM UMA EXCELENTE VELOCIDADE DE ARRANQUE, MAS TAMBÉM A QUE ENCAIXA A BOLA COM PERFEIÇÃO, QUE GANHA ESPAÇO PARA TRIANGULAR OU FINTAR, PARA PROCURAR A NESGA DO REMATE OU O PASSE MORTAL
çPortugal e Espanha vivem duas transições geracionais muito interessantes nas respetivas seleções. A revolução que Luis Enrique está a fazer, com resultados ainda muito pouco evidentes quer ao nível do estilo de jogo, quer dos resultados, está agora muito centrada no lançamento desse colosso físico que é o jovem Adama Traoré, filho do futebol de rua num dos mais populares bairros de Barcelona.
Traoré mistura a pujança física de um boxeur com a velocidade pura de um corredor de 100 metros. É uma massa bruta a rasgar para a área em toques na bola medidos pela sua vantagem de velocista, ainda que sem invejáveis qualidades técnicas. Pode encaixar na perfeição num modelo de futebol que há muito deixou o tiki-taka para trás mas tem ainda uma soberba fiabilidade no passe e na velocidade de execução. Se isso acontecer, a Espanha voltará a ser um caso sério.
A joia portuguesa, no entanto, exala outro perfume. Diego Jota já é um caso sério de afirmação no mundo do futebol. É muito mais do que Traoré e pode elevar-se a um patamar apenas destinado aos jogadores excecionais.
O jovem extremo de Massarelos está bem longe do rasto de imortalidade deixado, por exemplo, por um Cruyff. É quase caricato procurar uma comparação, ainda que as suas qualidades sejam imensas, como ainda esta semana vimos, no jogo da Seleção Nacional contra a Suécia. Mesmo assim, foi do génio holandês que me lembrei, num pormenor ou noutro.
Não é o estilo, nem a técnica ímpar, muito menos a exuberância cultural, a inteligência ou o génio que transformaram Cruyff em património da parte da humanidade que gosta de futebol que me faz evocar o príncipe holandês em Diogo Jota. Mas há ali uma pequena nota de cruyffismo, passe o exagero.
Diogo Jota, que eu mal conhecia, tem uma excelente velocidade de arranque, tal como Traoré, mas, sobretudo, tem aquela velocidade que encaixa a bola com perfeição, que ganha espaço para triangular ou fintar, para procurar a nesga do remate ou do passe mortal, como Cruyff. Tem uma velocidade que dá folga à aplicação da inteligência no jogo e o resgata da mera força bruta. Isso era o que distinguia o grande Cruyff, ao ponto de mitificar até a sua capacidade de escapar às entradas mais violentas dos defesas e a que Manuel Vázquez Montalbán chamava, com alguma ironia, instinto de conservação. E é essa qualidade, felizmente para Portugal, que faz de Diogo Jota muito mais do que Adama Traoré.
O BAÚ DO RUI