Record (Portugal)

JORGE JESUS

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LATA: A série de vitórias – e sem golos sofridos – terminou. Jorge Jesus apontou o dedo ao Gil Vicente pelo antijogo, mas o Benfica tem muito demérito na derrota. Um travão na recuperaçã­o da águia.

No segundo jogo oficial na Luz, frente ao V. Setúbal (3-2), faz um hat trick. Começam logo as comparaçõe­s com Eusébio. Esse fator causava-lhe pressão?

M – Nunca tive pressão. Eusébio só há um. Muitos africanos foram comparados com ele. Isso nunca vai dar certo. Primeiro tenho de cativar os sócios. Nunca vai haver um Eusébio. Sou o Pedro Mantorras. Vim de África, com sonhos. Sonhava um dia jogar num clube como o Benfica. Estava a realizar esse sonho.

Ele aconselhav­a-o?

M – Quando cheguei, ele disse-me: ‘Boa sorte, seja você.’ Ouvi palavras de um rei, de um ídolo, Era tudo o que queria ouvir.

Na primeira temporada, joga com regularida­de, mas depois começa o calvário de lesões no joelho direito. Já tinha apresentad­o problemas antes?

M – Não. Isso começou num dérbi contra o Sporting. Tive um choque. Na quarta-feira seguinte, fiz outro jogo com o joelho já

“QUANDO CHEGUEI, EUSÉBIO DISSE-ME: ‘BOA SORTE, SEJA VOCÊ’. OUVI PALAVRAS DE UM REI, DE UM ÍDOLO”

inflamado. Depois disso, fui operado. Aí começaram os problemas.

E a primeira operação, já o disse, correu mal...

M – A primeira operação, todos sabem, não correu bem. Deram-me anestesia geral, só acordei na sala com as pessoas à minha volta. O que eu tinha foi mal operado. Não operaram aquilo que eu tinha, concretame­nte. Operaram algo que não tinha.

Nunca mais conseguiu jogar com regularida­de e seguem-se várias operações. Já disse que era um jogador alegre. Como podia manter essa felicidade?

M – Passei a estar frustrado. Já não estás a 100% e és cobrado. Queres ajudar e não podes, estás limitado. Comecei a pensar: ‘Porquê só eu?’ Doía-me ver o Benfica a perder. O Trapattoni, por exemplo, olhava para mim, mas eu não podia. Tinha um limite.

Mas passou esses limites?

M – É difícil ver o Benfica a precisar de ir à Taça UEFA e eu sem poder jogar. Ainda na primeira época [2001/02], não podia jogar. Tinha um joelho inflamado. Os médicos do Benfica entraram no quarto para me tirarem o derrame. Saí para ir ao jardim do hotel a andar para ver se dava ou não. No dia a seguir, os colegas dizem-me que estou no onze. Marco dois golos e não consigo mais. Parei no campo. As pessoas não têm noção do que passei. Marquei dois golos nesse jogo, mas perdemos (2-3).

...

M – Quando chegou o míster Jesus, já não estava mais a 100%. Mesmo a 30% era melhor do que muitos, mas na alta competição não dá. Era difícil. Chegava a casa e chorava pela desilusão e desespero de não servir o Benfica. Quem sabe o que passei foi a minha família e o presidente do Benfica. Cheguei ao pé dele e disse-lhe: ‘Já não aguento. É muita dor, já não consigo. Gostaria de jogar mais, mas não consigo’. Comecei a chorar e o presidente também. Era muito esforço. Era uma força mental que tirava da minha cabeça. No joelho já não tinha nada. Não tinha cartilagem. Mesmo quando fomos campeões [2004/05], eu estava a 50%. Era só finalizaçã­o e musculação com o Rodolfo Moura [ex-fisioterap­euta]. Ele preparava-me para esses minutos. Eu chorava no ginásio. É um desespero que vem da nossa alma. Queremos fazer, mas não podemos.

Mas, apesar dessa tristeza, demorou muitos anos a retirar-se. A vontade superava tudo? M – As pessoas não sabiam que estava triste há muito tempo, mas depois pensava como ia ser. Eram dores intensas, até a subir as escadas em casa. Não sabiam quanto o Mantorras sofria.

“CHEGUEI AO PÉ DE VIEIRA E DISSE-LHE: ‘JÁ NÃO AGUENTO’. COMECEI A CHORAR E O PRESIDENTE TAMBÉM”

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