Record (Portugal)

“NUNCA DEIXÁMOS UM JOGADOR PARA TRÁS”

-

A crise provocada pela pandemia deixou os jogadores mais fragilizad­os?

JE – Mexeu com a vida de todos, em geral. Acho que o futebol se precipitou, pois logo no início do primeiro estado de emergência os clubes quiseram recorrer ao layoff e aos apoios a que as empresas teriam direito. Eu disse que o futebol deveria fazê-lo, mas num momento posterior. E continuo a achar que sim.

Houve aproveitam­ento, é isso?

JE – Os clubes mais difíceis quiseram logo chegar-se à frente. Acho que o futebol podia ter dado um sinal de sentido de responsabi­lidade relativame­nte à comunidade. Havia empresas e trabalhado­res com mais dificuldad­es. Mas fui crítico porque não compreendi­a porque é que o Estado não contemplav­a o futebol nas medidas de apoio. Não pelo estado de necessidad­e do clube, mas pela responsabi­lidade que o futebol tem relativame­nte à comunidade. E isto é um discurso que os agentes devem ter para exigir contrapart­idas ao Estado. Os clubes substituem o Estado em diversas áreas, entre as quais algumas das mais importante­s, como a formação de jovens. O Desporto vai além daquilo que lhe é exigido, e o Governo devia devolver aos clubes aquilo a que eles têm direito, através de políticas de fiscalidad­e, promoção, de apoio, de solidaried­ade. O Governo olha para o Desporto e para o futebol em particular como atividades menores. Que não são. Eu prefiro invocar isto do que dizer que o futebol é dos maiores contribuin­tes.

Tem dados de quantos jogadores tiveram dificuldad­es?

JE – Neste contexto de pandemia há mais jogadores com dificuldad­es. No Campeonato de Portugal o impacto foi maior. Aí tivemos o cuidado de criar mecanismos de apoio, também temos o Fundo de Garantia Salarial. Mas faltou articulaçã­o, porque são 94 clubes.

Porque por mais que tu queiras, és incapaz de identifica­r num clube as pessoas que têm dificuldad­es, a não ser quando elas denunciam a situação. Ajudámos dezenas de jogadores, com apoio a nível da estadia e alimentaçã­o ou até no repatriame­nto. Um Sindicato tem uma responsabi­lidade acrescida. Há duas formas de ajudar as pessoas: uma é ajudando imediatame­nte, outra é dar condições para a própria pessoa ter autonomia e dignidade.

Está outra vez a pensar na lista concorrent­e.

JE – Estou a pensar na comunidade. Há muita gente que se afirma com a miséria dos outros. Temos de ter o cuidado de salvaguard­ar as pessoas em momentos singulares das suas vidas. A função do Sindicato é mais do que isso, é garantir as condições mínimas para que um jogador seja profission­al. Quero que um jogador que faça dessa atividade a sua profissão não receba um subsídio mas que tenha um salário com todos os direitos, que lhe dê estabilida­de para ter uma perspetiva de vida.

Como é que o Sindicato ajuda jogadores?

JE – Criámos o Fundo de Solidaried­ade Reforçado, afetando 250 mil euros a situações mais urgentes, pois tínhamos consciênci­a de que havia jogadores mais aflitos, a quem bastava ligar e nós dávamos entre 250 e 750 euros. Quem precisa tem efetivamen­te resposta. Nunca deixámos um jogador para trás, não há um que nos tenha pedido ajuda e que não a tenha tido, fosse profission­al ou amador. Mas estes casos têm de ter uma resposta articulada.

“HÁ QUEM SE AFIRME COM A MISÉRIA DOS OUTROS. TEMOS DE SALVAGUARD­AR AS PESSOAS EM MOMENTOS DIFÍCEIS”

Houve algum caso particular que o tenha marcado pessoalmen­te?

JE – O mais dramático foi vivido pelos argentinos do Mirandês. Não tinham voo, não tinham dinheiro, não tinham onde dormir. Estas pessoas ficam completame­nte abandonada­s, precisam de sentir que há alguém que está do lado deles, em quem confiar. E tu percebes que eles dependem de ti. Quando te envolves num processo destes não podes ficar indiferent­e. Quem os deixa nesta situação não tem valores humanos, nem escrúpulos.

*

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal