Record (Portugal)

O valor dos jogadores invisíveis

URIBE É BOM A FAZER TUDO MAS É O MELHOR EM NADA. É MUITO RARO QUE SEJA ELE A CONDUZIR À GLÓRIA MAS HÁ GLÓRIAS SÓ POSSÍVEIS COM A SUA CONTRIBUIÇ­ÃO. O FUTEBOL NÃO PODE PASSAR SEM JOGADORES ASSIM

- RUI DIAS

AOS 30 ANOS, URIBE TRAZ EQUILÍBRIO, INTELIGÊNC­IA E SOLUÇÕES TÁTICAS À ZONA CENTRAL

Decorria o ano de 2006 quando, em conversa com um empresário, fiquei a saber que o treinador de determinad­a equipa inglesa viria a Portugal, impulsiona­do pelas referência­s que lhe chegaram sobre o então jovem João Moutinho (20 anos). O míster tinha nome a mais para a expressão do clube que representa­va e trazia o entusiasmo que o talento sempre desperta e despertará. No dia seguinte perguntei ao dito empresário com que impressão ficara o seu convidado. Respondeu com alguma desilusão na voz: “Vimos o jogo juntos (em Alvalade), trocámos impressões de circunstân­cia, perguntou meia dúzia de coisas sobre a equipa e, ao fim de 20 minutos, quis esclarecer uma dúvida: ‘Quem é o 17 do Sporting?’ E nunca mais se calou com ele.” O 17 do Sporting era Nani. Três ou quatro ações em pouco mais de um quarto de hora chegaram para que a magia automática ofuscasse a competênci­a, a infalibili­dade, a presença constante e a maturidade precoce.

Não é de agora a urgência de chegar primeiro à exceção e delimitar espaço na aproximaçã­o aos magos que tiram coelhos da cartola. Um jogador de fiabilidad­e absoluta, cuja dimensão total só é revelada ao fim de 30 ou 40 jogos, não pode ser avaliado em todo o esplendor em apenas hora e meia. Concentrem­o-nos em Matheus Uribe, um médio multifunci­onal, de extraordin­ária regularida­de, que se impõe como ajudante de gregário e parceiro de conversas dos mais criativos. Um jogador que, não sendo 6 nem 10, constitui complement­o perfeito de todos os companheir­os com quem se cruza. É uma sombra que acentua gestos, ajuda a ganhar a bola e não se perde no passo seguinte. Uribe não oferece matéria palpável e reconhecid­a à primeira vista, mas é uma fonte inesgotáve­l de eficácia, simplicida­de, disciplina e generosida­de, com que despoja o adorno e a extravagân­cia do futebol.

Uribe impõe-se, ainda hoje, aos 30 anos, porque traz equilíbrio, inteligênc­ia e soluções táticas à zona central do terreno. No mesmo jogo pode ser decisivo por ganhar duelos com os adversário­s diretos mas também por intimidá-los com argumentos que o diferencia­m. Sabe assumir a perseguiçã­o quando não tem a bola e, ao conquistá-la, pode transforma­r-se num atacante temível. Contribui com esforço, disponibil­idade e generosida­de, mas o puzzle só fica completo porque sabe manusear os elementos que o jogo tem de xadrez, póquer e caça. No fundo, assume a sua parte no trabalho mais sujo e recorre à elegância e à técnica para definir o passo seguinte.

Se alguma vez um treinador se disponibil­izar a vê-lo, é natural que faça exatamente a mesma pergunta de quem veio ver João Moutinho e se apaixonou por Nani. “Quem é o 17 do FC Porto (Corona)?”, perguntará, cedendo ao deslumbram­ento instantâne­o dos mágicos. Mas isso em nada diminui a relevância de jogadores com virtudes menos óbvias, com influência clara no coletivo, não apenas num jogo, ou em parte dele, mas em toda a temporada, em duelos de todas as dimensões, sejam eles em casa ou fora, à chuva e ao frio ou ao sol e ao calor.

Uribe é bom a fazer tudo mas é o melhor em nada; não é autossufic­iente para alterar o rumo da história mas é o vulto, tantas vezes invisível, que contribui para melhorar aquilo em que toca; não tem a magia dos artis- tas nem a influência esmagadora, por vezes comovente, dos operários, mas com ele o sucesso é mais fácil, porque ajuda à direita, à esquerda e ao centro, atrás (onde é preciso zelar por equilíbrio e segurança) e à frente (onde o talento é mais precioso). É muito raro que seja ele a conduzir à glória, mas há glórias só possíveis com a sua contribuiç­ão. O futebol não pode passar sem jogadores assim.

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 ??  ?? Ao fim de seis anos a jogar na Colômbia natal, foi no América do México que se expressou, ao ponto de interessar ao FC Porto
Ao fim de seis anos a jogar na Colômbia natal, foi no América do México que se expressou, ao ponto de interessar ao FC Porto
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Ao lado do compatriot­a Luis Díaz já festejou a conquista do título nacional, da Taça de Portugal e da Supertaça
 ??  ?? Na seleção colombiana, que re- presenta desde 2017, cruzou-se com Carlos Queiroz. Tem 28 jogos e 3 golos na equipa nacional
Na seleção colombiana, que re- presenta desde 2017, cruzou-se com Carlos Queiroz. Tem 28 jogos e 3 golos na equipa nacional
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