O que pode ficar da Superliga
Não vale a pena nem diabolizar uma eventual Superliga, nem tomá-la como solução para os problemas do futebol europeu, desde logo os financeiros dos clubes que tomaram a iniciativa. De facto, se a Superliga for concretizada tal como proposta pelos 12, não passará de um exercício de cartelização, contrário aos princípios fundadores do futebol moderno. Pelo contrário, se esta proposta tiver como consequência diminuir o poder da UEFA, aumentar a transparência da regulação do futebol e conferir mais poder aos clubes, a iniciativa deixará um legado positivo.
Era, aliás, uma questão de tempo
até surgir a reivindicação. A partir do momento em que, há perto de três décadas, se mudou o formato da velha Taça dos Campeões para uma prova com fase de grupos e com a participação de clubes que não se haviam sagrado campeões nacionais, abriu-se uma caixa de Pandora. Com o novo formato da Champions e o aumento do fosso financeiro entre ligas nacionais (em parte consequência da criação notável da Premier League, uma experiência regeneradora do futebol inglês), a pressão para se desenvolver uma competição que valorizasse o espetáculo e oferecesse conteúdos interessantes para uma audiência televisiva global tornar-se-ia irresistível. A Covid, ao aproximar muitos clubes do abismo financeiro, terá precipitado o desfecho deste fim de semana.
Contudo, a procissão ainda vai no adro.
Até aqui, a UEFA tem respondido às movimentações dos clubes mais poderosos com distribuição de mais recursos e aceitação de parte fundamental das suas reivindicações. Desta feita, podemos estar face a uma mudança profunda do formato competitivo.
Caso a solução passe pela criação de uma liga
completamente fechada e sem ligação às competições nacionais, estaremos a percorrer territórios desconhecidos com consequências desastrosas para o desporto-rei enquanto experiência eminentemente local e popular. Pelo contrário, uma competição com várias jornadas, apuramento de um campeão como acontece nas ligas nacionais e que permita a classificação direta dos primeiros classificados para a temporada seguinte, enquanto preserva uma quota para subidas e descidas, é um bom início de conversa. Aliás, uma conversa que está protegida pela jurisprudência europeia relativa à Euroliga de basquetebol e à patinagem e que obrigará a limitar o poder pernicioso e injustificado da UEFA (uma organização que regula e organiza em regime de monopólio), enquanto trará uma gestão mais transparente e facilitará, por exemplo, a criação de tetos salariais.
Para um país como o nosso,
com clubes claramente na linha de fronteira da participação, a prioridade, no imediato, deveria passar por repensar as nossas competições, ajustando-as a calendários europeus mais exigentes, e desenvolvendo mecanismos de regulação mais eficazes e consentâneos com um futebol que é incompatível com o dirigismo do passado.