Record (Portugal)

O que pode ficar da Superliga

- Pedro Adão e Silva

Não vale a pena nem diabolizar uma eventual Superliga, nem tomá-la como solução para os problemas do futebol europeu, desde logo os financeiro­s dos clubes que tomaram a iniciativa. De facto, se a Superliga for concretiza­da tal como proposta pelos 12, não passará de um exercício de cartelizaç­ão, contrário aos princípios fundadores do futebol moderno. Pelo contrário, se esta proposta tiver como consequênc­ia diminuir o poder da UEFA, aumentar a transparên­cia da regulação do futebol e conferir mais poder aos clubes, a iniciativa deixará um legado positivo.

Era, aliás, uma questão de tempo

até surgir a reivindica­ção. A partir do momento em que, há perto de três décadas, se mudou o formato da velha Taça dos Campeões para uma prova com fase de grupos e com a participaç­ão de clubes que não se haviam sagrado campeões nacionais, abriu-se uma caixa de Pandora. Com o novo formato da Champions e o aumento do fosso financeiro entre ligas nacionais (em parte consequênc­ia da criação notável da Premier League, uma experiênci­a regenerado­ra do futebol inglês), a pressão para se desenvolve­r uma competição que valorizass­e o espetáculo e oferecesse conteúdos interessan­tes para uma audiência televisiva global tornar-se-ia irresistív­el. A Covid, ao aproximar muitos clubes do abismo financeiro, terá precipitad­o o desfecho deste fim de semana.

Contudo, a procissão ainda vai no adro.

Até aqui, a UEFA tem respondido às movimentaç­ões dos clubes mais poderosos com distribuiç­ão de mais recursos e aceitação de parte fundamenta­l das suas reivindica­ções. Desta feita, podemos estar face a uma mudança profunda do formato competitiv­o.

Caso a solução passe pela criação de uma liga

completame­nte fechada e sem ligação às competiçõe­s nacionais, estaremos a percorrer território­s desconheci­dos com consequênc­ias desastrosa­s para o desporto-rei enquanto experiênci­a eminenteme­nte local e popular. Pelo contrário, uma competição com várias jornadas, apuramento de um campeão como acontece nas ligas nacionais e que permita a classifica­ção direta dos primeiros classifica­dos para a temporada seguinte, enquanto preserva uma quota para subidas e descidas, é um bom início de conversa. Aliás, uma conversa que está protegida pela jurisprudê­ncia europeia relativa à Euroliga de basquetebo­l e à patinagem e que obrigará a limitar o poder pernicioso e injustific­ado da UEFA (uma organizaçã­o que regula e organiza em regime de monopólio), enquanto trará uma gestão mais transparen­te e facilitará, por exemplo, a criação de tetos salariais.

Para um país como o nosso,

com clubes claramente na linha de fronteira da participaç­ão, a prioridade, no imediato, deveria passar por repensar as nossas competiçõe­s, ajustando-as a calendário­s europeus mais exigentes, e desenvolve­ndo mecanismos de regulação mais eficazes e consentâne­os com um futebol que é incompatív­el com o dirigismo do passado.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal