A praga de Jesus
O BENFICA VOLTOU A SER UMA EQUIPA POUCO FESTIVA E COM PROCESSOS POR CONSOLIDAR. É ESSE FLAGELO QUE JESUS AINDA NÃO FOI CAPAZ DE EXPLICAR
Jesus continua a tentar convencer-nos de que o Benfica tem sido vítima de inusitadas calamidades que o seu treinador nunca poderia controlar. Se o povo do Egito lidou com dez pragas como castigo divino (segundo os relatos judaico-cristãos), o técnico benfiquista como que tenta esquadrinhar o seu próprio Êxodo. E os tropeções lá vão sendo sucessivamente justificados pela crise pandémica, pelo antijogo e, claro, por arbitragens coniventes com as diatribes oponentes. Pelo caminho das pedras, alguns correligionários de Jesus já tinham acrescentando outras despudoradas justificativas, como a não chegada de reforços prometidos ao treinador, o que é burlesco, se atentarmos ao recorde de 100 mi- lhões investidos pelos benfiquis- tas em contratações.
Bem mais atinado teria sido ar gumentar apenas que atravessamos uma época atípica, pelas razões óbvias, e que esta ponta final da temporada tem deixado sequelas em qualquer um dos quatro primeiros da Liga. Mas isso não bateria certo com a pro- pagada teoria de que o grande problema do Benfica foi a Covid e que a equipa logo entrou nos carris mal Jesus teve tempo e es paço para aplicar a sua revolucionária metodologia.
É verdade que o Benfica tinha somado sete vitórias consecuti vas (incluindo o triunfo sobre o Estoril nas meias-finais da Taça de Portugal) e conseguido, no conjunto desses jogos, um raro score de 15-0 no que respeita a go- los. Mas também não ficaram grandes dúvidas de que, frente ao Gil, quase toda a equipa pareceu, mais uma vez, mordida por uma mosca tsé-tsé, tal a modorra geral. E, claro, lá voltaram as teorias simplistas de que Weigl e Taarabt não são os médios de que o Benfica precisa ou que deixar Pizzi no banco é um sacrilégio, como se uma e outra coisa já não tivessem sido desmentidos pela realidade noutras alturas.
O Benfica já perdeu 24 pontos no campeonato, dez dos quais na Luz, um cenário neste século só comparável ao vivido por Quique Flores, em 2008/09. E se a isto acrescentarmos o fracasso na Champions (qualificação) e na Liga Europa, o balanço da época dificilmente deixará de ser desastroso, independentemente do desfecho da final da Taça de Portugal, frente ao Sp. Braga. Claro que as contas finais só poderão ser feitas quando ficar esclarecido o apuramento para a Champions, com tudo o que isso representa em termos de condicionamento, financeiro e não só, para a próxima época.
É óbvio que Jesus não passou de bestial a besta. O seu regresso à Luz serviu os momentâneos interesses eleitorais do presidente, mas discutir as suas aptidões faz tanto sentido como descalçar os sapatos numa entrevista de emprego. Mas também não restam muitas dúvidas de que os seus métodos, estratégias e ideia de jogo podem bastar para fazer toda a diferença no futebol brasileiro, mas estão cada vez mais identificados por uma série de treinadores portugueses com valor e que não só detetaram o antídoto como a forma de ferir o próprio Benfica. Não é nada de absolutamente novo, se levarmos em conta que André Villas-Boas e Vítor Pereira já haviam mostrado como fazê-lo entre 2010 e 2013… E é provavelmente por ter consciência disso que Jesus anda a buscar novos caminhos. A propósito, importa acrescentar que o 3x4x2x1 que tão bem serviu em Paços de Ferreira (mesmo descontando a expulsão prematura de Eustáquio) não pode agora servir de pretexto para a desventura.
A IDEIA DE JOGO DE JESUS FEZ DIFERENÇA NO BRASIL, MAS JÁ ESTÁ IDENTIFICADA POR VÁRIOS TÉCNICOS NACIONAIS COM VALOR
Bem mais sintomático foi o facto de Ricardo Soares e o seu singelo Gil Vicente terem bastado para expor as misérias do Benfica. E fizeram-no com uma limpidez e uma magnitude que tiveram tanto de inesperado como de merecido. Ou seja, o Benfica continua a mostrar-se uma equipa pouco festiva, nada dada ao pop e com processos por consolidar. É essa a praga que Jesus ainda não foi capaz de explicar.