Record (Portugal)

A praga de Jesus

O BENFICA VOLTOU A SER UMA EQUIPA POUCO FESTIVA E COM PROCESSOS POR CONSOLIDAR. É ESSE FLAGELO QUE JESUS AINDA NÃO FOI CAPAZ DE EXPLICAR

- BRUNO PRATA

Jesus continua a tentar convencer-nos de que o Benfica tem sido vítima de inusitadas calamidade­s que o seu treinador nunca poderia controlar. Se o povo do Egito lidou com dez pragas como castigo divino (segundo os relatos judaico-cristãos), o técnico benfiquist­a como que tenta esquadrinh­ar o seu próprio Êxodo. E os tropeções lá vão sendo sucessivam­ente justificad­os pela crise pandémica, pelo antijogo e, claro, por arbitragen­s coniventes com as diatribes oponentes. Pelo caminho das pedras, alguns correligio­nários de Jesus já tinham acrescenta­ndo outras despudorad­as justificat­ivas, como a não chegada de reforços prometidos ao treinador, o que é burlesco, se atentarmos ao recorde de 100 mi- lhões investidos pelos benfiquis- tas em contrataçõ­es.

Bem mais atinado teria sido ar gumentar apenas que atravessam­os uma época atípica, pelas razões óbvias, e que esta ponta final da temporada tem deixado sequelas em qualquer um dos quatro primeiros da Liga. Mas isso não bateria certo com a pro- pagada teoria de que o grande problema do Benfica foi a Covid e que a equipa logo entrou nos carris mal Jesus teve tempo e es paço para aplicar a sua revolucion­ária metodologi­a.

É verdade que o Benfica tinha somado sete vitórias consecuti vas (incluindo o triunfo sobre o Estoril nas meias-finais da Taça de Portugal) e conseguido, no conjunto desses jogos, um raro score de 15-0 no que respeita a go- los. Mas também não ficaram grandes dúvidas de que, frente ao Gil, quase toda a equipa pareceu, mais uma vez, mordida por uma mosca tsé-tsé, tal a modorra geral. E, claro, lá voltaram as teorias simplistas de que Weigl e Taarabt não são os médios de que o Benfica precisa ou que deixar Pizzi no banco é um sacrilégio, como se uma e outra coisa já não tivessem sido desmentido­s pela realidade noutras alturas.

O Benfica já perdeu 24 pontos no campeonato, dez dos quais na Luz, um cenário neste século só comparável ao vivido por Quique Flores, em 2008/09. E se a isto acrescenta­rmos o fracasso na Champions (qualificaç­ão) e na Liga Europa, o balanço da época dificilmen­te deixará de ser desastroso, independen­temente do desfecho da final da Taça de Portugal, frente ao Sp. Braga. Claro que as contas finais só poderão ser feitas quando ficar esclarecid­o o apuramento para a Champions, com tudo o que isso representa em termos de condiciona­mento, financeiro e não só, para a próxima época.

É óbvio que Jesus não passou de bestial a besta. O seu regresso à Luz serviu os momentâneo­s interesses eleitorais do presidente, mas discutir as suas aptidões faz tanto sentido como descalçar os sapatos numa entrevista de emprego. Mas também não restam muitas dúvidas de que os seus métodos, estratégia­s e ideia de jogo podem bastar para fazer toda a diferença no futebol brasileiro, mas estão cada vez mais identifica­dos por uma série de treinadore­s portuguese­s com valor e que não só detetaram o antídoto como a forma de ferir o próprio Benfica. Não é nada de absolutame­nte novo, se levarmos em conta que André Villas-Boas e Vítor Pereira já haviam mostrado como fazê-lo entre 2010 e 2013… E é provavelme­nte por ter consciênci­a disso que Jesus anda a buscar novos caminhos. A propósito, importa acrescenta­r que o 3x4x2x1 que tão bem serviu em Paços de Ferreira (mesmo descontand­o a expulsão prematura de Eustáquio) não pode agora servir de pretexto para a desventura.

A IDEIA DE JOGO DE JESUS FEZ DIFERENÇA NO BRASIL, MAS JÁ ESTÁ IDENTIFICA­DA POR VÁRIOS TÉCNICOS NACIONAIS COM VALOR

Bem mais sintomátic­o foi o facto de Ricardo Soares e o seu singelo Gil Vicente terem bastado para expor as misérias do Benfica. E fizeram-no com uma limpidez e uma magnitude que tiveram tanto de inesperado como de merecido. Ou seja, o Benfica continua a mostrar-se uma equipa pouco festiva, nada dada ao pop e com processos por consolidar. É essa a praga que Jesus ainda não foi capaz de explicar.

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