Campeão low-cost
O TRIUNVIRATO LEONINO DERRUBOU O ESTABLISHMENT QUE HÁ MUITO CONTROLA O FUTEBOL PORTUGUÊS E O DESENLACE NUNCA PODERÁ SER OBSERVADO COMO UMA MINUDÊNCIA, COMO SE FOSSE TRIVIAL BATER O FC PORTO E O BENFICA
çO Sporting foi um campeão low-cost. E não se leia no rótulo qualquer propósito pejorativo ou de menosprezo pela conquista. Pelo contrário, pois se há algo que Frederico Varandas, Hugo Viana e Rúben Amorim provaram é que, a exemplo do que a indústria aeronáutica dos EUA patenteara há três décadas, também no futebol é possível atingir o sucesso com ‘baixo custo’. O triunvirato leonino derrubou o establishment que há muito controla o futebol português e o desenlace nunca poderá ser observado como uma minudência, como se fosse trivial bater um FC Porto e um Benfica que partiram com máquinas supostamente mais oleadas, com orçamentos mais gordos e com o dobro ou o triplo de gastos em reforços mediáticos.
Os elogios ao Sporting são ago- ra generalizados, mas parte deles são rebuscados e surgem de quem, ainda há pouco, parodiava os leões e censurava vigorosamente os seus líderes. Eu pró- prio, é minha obrigação recordá-lo, considerei o Sporting me- nos candidato que os dois rivais e cheguei a aduzir que o plantel leonino perdia até na acareação com o do Braga – em minha defesa posso apenas alegar que Paulinho era então peça essen
Rúben Amorim confiou até à exaustão no 3x4x2x1, mas a organização defensiva e a efetividade finalizadora refletiram qualidade de trei- no. Ainda não se despojou dos modos de jogador e isso reflete-se nas reações no banco. Mas também ajudou na gestão e na aglutinação do balneário. É inata a forma franca, humorada e descom- plexada como comunica. Mas essa singeleza jovial aju- dou a libertar a equipa e a resolver um problema antigo no Sporting.
cial no Minho. A verdade é que os gestores leoninos não terão ainda esquecido os pedidos de AG para a sua destituição ou as tarjas com o ‘VarandasOut’, guindadas por quem ainda acredita(va) em avantesmas. O Sporting demonstrou que é possível ser campeão sem as claques ou, mais apropriado a este caso, apesar delas. E isso, parecendo que não, não deixa de ser um serviço higiénico prestado ao futebol.
A ausência de público, sendo financeiramente devastador, facilitou a vida a quem gere um clube balcanizado e a um treinador que precisava de afinar e agregar uma equipa repleta de mancebos e debutantes. E é ób- vio que o título terá de ser também observado à luz de uma equipa excluída da Europa logo
O coletivo foi a principal riqueza do Sporting. Mas as principais individualidades podem dividir-se em dois grupos. No primeiro, está, claro, Coates, o xerife da defesa (mas beneficiado pelo amparo de mais dois centrais) e o pronto-socorro lá na frente. Mas Pote surge a par. Pelos 20 golos e assistências, mas também pela qualidade e descaramento. No segundo nível coloco Palhinha, Adán e Porro. A revelação foi Tiago Tomás, porque Nuno Mendes já era uma certeza.
em outubro e que, por força dis- so, não foi sujeita ao mesmo desgaste que a concorrência.
Mas nem isso reduz o mérito
numa Liga que foi uma corrida de perigosos obstáculos. As férias encurtadas, a pré-época ra- quítica, o calendário apressado (que agravou o número de lesões) e, claro, a crise pandémica levaram as equipas ao limite das suas forças e converteram este campeonato num longo exercício de sobrevivência. E a verdade é que ninguém ganhou ao Sporting em obstinação e crença.
Outra equipa, menos trabalhada mentalmente, teria tido dificuldades em reerguer-se, por exemplo, após o 1-4 imposto pelo anónimo Lask Linz em Alvalade. Mas o Sporting respondeu com uma vitória em Portimão e com um assertivo empate (2-2) frente ao FC Porto. Foi um momento relevante, a par de mais meia dúzia: na 9.ª jornada, Rúben Amorim deu azo ao slogan “Onde vai um vão todos”, na sequência dos incidentes que se seguiram ao empate em Famalicão (2-2), em que foi anulado um golo a Coates nos últimos instantes. Metamorfoseado de ponta-de-lança, o uruguaio acabaria por funcionar como um pronto-socorro e autor dos golos decisivos nas vitórias tardias sobre o Gil Vicente (jornada 18) e Santa Clara (jornada 22).
Antes, na jornada 13, já tinha acontecido o crucial triunfo sobre o Nacional (0-2), quando a tempestade Filomena impôs uma viagem apavorante e um relvado indecoroso. Neste rol entra ainda o triunfo sobre o Benfica (jornada 18), em que Matheus Nunes se transformou em herói inesperado com um golo aos 92’. O brasileiro voltaria a justificar os elogios presidenciais com outro golo ainda mais determinante e épico, em Braga, onde o Sporting se esmerou na arte de bem defender. E, pelo meio, ainda houve o nulo garantido no Dragão (jornada 21), que permitiu manter os inesperados e relaxantes dez pontos de vantagem. Houve períodos, claro, em que funcionou a estrelinha de Amorim e o Sporting marcava mais golos do que jogava, mas até essa circunstância ajudou a contribuir para a singularidade de um campeão low-cost… E justo!
O SPORTING DEMONSTROU QUE É POSSÍVEL SER CAMPEÃO SEM AS CLAQUES OU, NO CASO, APESAR DELAS