O mais improvável leão
ORIUNDO DA COSTA DO MARFIM CHEGOU A LISBOA, NO FINAL DOS ANOS OITENTA OU INÍCIO DOS NOVENTA, DO SÉCULO PASSADO, UM HOMEM QUE MUITO GANHOU EM PORTUGAL. ATÉ UM CLUBE
No dia após o fecho da mítica campanha do Sporting no campeonato, permita o leitor que conte a história do mais improvável adepto do Sporting. Diarassouba Missá.
Certa noite, final dos oitentas ou início dos noventas,
do século passado, estava este vosso escriba em reportagem, à espera da equipa do Sporting na Portela, quando reparou numa figura longilínea, aprumada, com casaco, gravata, e um cartão plastificado na lapela. Encontrávamo-nos em área já algo reservada das che- gadas internacionais. O nosso país era outro: televisões, ainda só havia a RTP. Os jornalistas eram tratados com carinho, tinham acesso a espaços reservados. O 25 de Abril estava adolescente.
Nesse espaço, onde o autor destas linhas aguardava
a chegada do Sporting depois de um bom resultado europeu, a espera foi longa. Aquela figura, nobre, negra tal ébano, com o passar das horas, ia ficando mais quebrada e nervosa. Já não parecia um qualquer membro de um qualquer corpo diplomático africano.
Portugal era tão diferente de hoje
que, uma e outra pergunta aos agentes policiais, depois de falar com a enigmática pes- soa, permitiram esclarecer o que se passava e como resolver o impasse. O jovem chegara da Costa do Marfim. Fora interro- gado, era óbvio que não vinha em turismo. Aguardava repatriamento. Num francês perfeito, Missá dizia só querer uma oportunidade fora do seu país. Onde tudo ruíra em crise com guerras intestinas. O cartão, que tanto prezava e ostentava na lapela, atestava-o motorista e gestor de uma empre- sa com sede em França. Falira. Missá procurava fuga à desgraça. Trazia um saco com rou- pa e, imagine-se, um garrafão com água, por temor aos desertos.
Umas quantas assinaturas para responsabilização
sobre aquele ser permitiram resgatar Missá do aeroporto. Os polícias foram muito humanos. O Mundo era mesmo diferente.
Depois da reportagem ultimada,
a ideia era deixar Missá numa pensão barata mas honesta. Quando lhe revelei o plano, ele disse que podia pagar a estadia, mostrou orgulhoso um molho de notas de francos franceses. A mãe dera-lhe todo o dinheiro que ele ganhara no trabalho, mais o que ela amealhara ao longo dos anos. Ficou fora de questão deixar aquele inocente à mercê da cidade imensa. Lá foi para o meu amado Barreiro, onde um grupo de amigos se revezou para o preparar para a vida fora da Costa do Marfim. Quase um ano depois, Missá partiu para Barcelona, de onde escreveu, num maravilhoso francês ministrado numa missão cristã, dando-se vivo e feliz, a trabalhar na construção da cidade olímpica.
Por associar o seu encontro com o ‘Papá Octave’
– como me chamava – à divina providência de uma chegada do Sporting, tornou-se um devotado sportinguista, que amiúde exibia impante camisola e meias do leão, oferecidas por um amigo barreirense.
Onde quer que esteja, este meu filho Missá terá ficado feliz
como só ele sabe. Este é o terceiro título do seu tão amado emblema, desde que lhe deu uma nova vida no aeroporto de Lisboa.
MISSÁ TERÁ VISTO AGORA, PELA TERCEIRA VEZ, O SPORTING CAMPEÃO NACIONAL