Record (Portugal)

O mais improvável leão

ORIUNDO DA COSTA DO MARFIM CHEGOU A LISBOA, NO FINAL DOS ANOS OITENTA OU INÍCIO DOS NOVENTA, DO SÉCULO PASSADO, UM HOMEM QUE MUITO GANHOU EM PORTUGAL. ATÉ UM CLUBE

- Octávio Ribeiro Diretor-geral editorial RUI CALAFATE EDUARDO DÂMASO

No dia após o fecho da mítica campanha do Sporting no campeonato, permita o leitor que conte a história do mais improvável adepto do Sporting. Diarassoub­a Missá.

Certa noite, final dos oitentas ou início dos noventas,

do século passado, estava este vosso escriba em reportagem, à espera da equipa do Sporting na Portela, quando reparou numa figura longilínea, aprumada, com casaco, gravata, e um cartão plastifica­do na lapela. Encontráva­mo-nos em área já algo reservada das che- gadas internacio­nais. O nosso país era outro: televisões, ainda só havia a RTP. Os jornalista­s eram tratados com carinho, tinham acesso a espaços reservados. O 25 de Abril estava adolescent­e.

Nesse espaço, onde o autor destas linhas aguardava

a chegada do Sporting depois de um bom resultado europeu, a espera foi longa. Aquela figura, nobre, negra tal ébano, com o passar das horas, ia ficando mais quebrada e nervosa. Já não parecia um qualquer membro de um qualquer corpo diplomátic­o africano.

Portugal era tão diferente de hoje

que, uma e outra pergunta aos agentes policiais, depois de falar com a enigmática pes- soa, permitiram esclarecer o que se passava e como resolver o impasse. O jovem chegara da Costa do Marfim. Fora interro- gado, era óbvio que não vinha em turismo. Aguardava repatriame­nto. Num francês perfeito, Missá dizia só querer uma oportunida­de fora do seu país. Onde tudo ruíra em crise com guerras intestinas. O cartão, que tanto prezava e ostentava na lapela, atestava-o motorista e gestor de uma empre- sa com sede em França. Falira. Missá procurava fuga à desgraça. Trazia um saco com rou- pa e, imagine-se, um garrafão com água, por temor aos desertos.

Umas quantas assinatura­s para responsabi­lização

sobre aquele ser permitiram resgatar Missá do aeroporto. Os polícias foram muito humanos. O Mundo era mesmo diferente.

Depois da reportagem ultimada,

a ideia era deixar Missá numa pensão barata mas honesta. Quando lhe revelei o plano, ele disse que podia pagar a estadia, mostrou orgulhoso um molho de notas de francos franceses. A mãe dera-lhe todo o dinheiro que ele ganhara no trabalho, mais o que ela amealhara ao longo dos anos. Ficou fora de questão deixar aquele inocente à mercê da cidade imensa. Lá foi para o meu amado Barreiro, onde um grupo de amigos se revezou para o preparar para a vida fora da Costa do Marfim. Quase um ano depois, Missá partiu para Barcelona, de onde escreveu, num maravilhos­o francês ministrado numa missão cristã, dando-se vivo e feliz, a trabalhar na construção da cidade olímpica.

Por associar o seu encontro com o ‘Papá Octave’

– como me chamava – à divina providênci­a de uma chegada do Sporting, tornou-se um devotado sportingui­sta, que amiúde exibia impante camisola e meias do leão, oferecidas por um amigo barreirens­e.

Onde quer que esteja, este meu filho Missá terá ficado feliz

como só ele sabe. Este é o terceiro título do seu tão amado emblema, desde que lhe deu uma nova vida no aeroporto de Lisboa.

MISSÁ TERÁ VISTO AGORA, PELA TERCEIRA VEZ, O SPORTING CAMPEÃO NACIONAL

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