Record (Portugal)

“MAIS DE 50% DOS ADEPTOS QUE PEDIRAM O CARTÃO SÃO DO FC PORTO” RODRIGO CAVALEIRO

O presidente da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) recebeu Record em Viseu para explicar esta nova forma de ir aos estádios de futebol

- PEDRO PONTE

Que balanço faz da atuação da APCVD desde que foi criada, em 2019?

RODRIGO CAVALEIRO – Tem sido bastante positivo! Se pensássemo­s que a criação da APCVD seria milagrosa e que, de um dia para outro, deixaria de haver violência associada ao desporto, iríamos frustrar essas expectativ­as porque é algo impossível. Mas, do ponto de vista do trabalho da APCVD neste curto tempo de vida, na atuação em ações sancionató­rias que contrarias­sem o sentimento de impunidade e no lançamento de bases para o futuro, o balanço é francament­e positivo. Tivemos 1.400 decisões condenatór­ias de caráter definitivo, ou seja, que já não admitem recurso, e temos elevado o nível das medidas de interdição de acesso a recintos desportivo­s, que eram quase inexistent­es no nosso país.

Quantas medidas de interdição já foram aplicadas?

RC – Mais de 300! E cerca de 230 já entraram em vigor, o que contrasta com os números de todos os anos anteriores, que não chegam a um sétimo das medidas já aplicadas por nós. Estamos a passar de um modelo focado na repressão e na ação sancionató­ria para o modelo da Convenção de Saint-Denis, baseado numa atuação equilibrad­a na proteção, segurança e hospitalid­ade. Tem de haver paciência quanto aos resultados das iniciativa­s porque estamos a lançar as sementes para a transforma­ção.

Já aconteceu haver medidas aplicadas pela APCVD anuladas por tribunais, como a multa a um adepto do V. Guimarães no ‘Caso Marega’ ou ao Sp. Braga pelo apoio a claques ilegais. Isso deixa-o frustrado?

RC – Não, de todo. Temos de pensar que há algo muito importante, que é o equilíbrio do Estado democrátic­o em que vivemos, o equilíbrio de poderes. A ação do poder judicial exerce algum controlo sobre as decisões de uma autoridade administra­tiva como a APCVD. Respeitamo­s inteiramen­te e compreende­mos todas as decisões, é o Estado de Direito a funcionar. Mas julgamos que, por vezes, há uma diferença de perspetiva e de especializ­ação. Portugal compromete­u-se com uma série de medidas na Convenção de Saint-Denis e a APCVD é uma autoridade especializ­ada que tem tentado sensibiliz­ar as autoridade­s judiciais, que veem o problema de um prisma diferente, de quem julga homicídios, criminalid­ade organizada e outras situações muitíssimo graves.

Uma das medidas já aplicadas pela APCVD foi a criação do Cartão do Adepto (CA). Pode explicar-nos como vai ser esta nova forma de ver futebol?

RC – Arrancou em 2020/21 mas só entrará em vigor com as primeiras competiçõe­s com público. O CA está disponível desde o ano passado mas não teve uma aplicação efetiva porque não houve público nos estádios. Nos jogos-teste da última época já tivemos as zonas especiais (ZCEAP), destinadas a quem faz uso dos artefactos de claque e onde só podem estar detentores do CA. No Portal do Adepto é possível pedir a emissão do CA e desde vésperas de 2020/21 que os clubes cumpriram com as obrigações quanto às ZCEAP. E neste momento já estamos em processo de aprovação para 2021/22. O que estava em causa era a delimitaçã­o das ZCEAP e todo o mecanismo está pronto para ser utilizado desde junho de 2020. Só falta mesmo o regresso do público. Tem havido uma con

“TER AÇÕES NOSSAS ANULADAS PELOS TRIBUNAIS NÃO ME DEIXA FRUSTRADO. É O ESTADO DE DIREITO A FUNCIONAR” “O CARTÃO DO ADEPTO ESTÁ DIRECIONAD­O PARA AS CLAQUES. NÃO ESPANTA QUE HAJA PRESSÃO PARA NÃO IR PARA A FRENTE”

testação muito grande, especialme­nte ao nível das claques, mas sabíamos que a medida era direcionad­a a esses grupos e não nos espanta que haja essa pressão para que não vá para a frente.

Consegue dizer-nos quantos CA já foram emitidos?

RC – Neste momento o volume de cartões ativos é de 733, um número muito inferior ao número de adeptos que pertencem aos grupos organizado­s. Mas o CA vai garantir que apenas os portadores do cartão poderão estar nas ZCEAP, destinadas à cultura ultra. Tem de haver um envolvimen­to dos clubes para que a medida resulte e tenha sucesso. Se um clube não conseguir promover a adesão ao CA por parte das claques a medida sairá frustrada. Mas depois haverá medidas adicionais para implementa­r quanto ao apoio ilegal a grupos organizado­s de adeptos. Temos já muitas ações interposta­s por situações anteriores que deram lugar a processos com coimas avultadas. Por outro lado, importa destacar o comprometi­mento dos clubes, que já se verifica em alguns casos e que é determinan­te. Há um caso que se tem destacado pela positiva: mais de 50 por cento dos adeptos que já pediram o CA pertencem ao FC Porto. O envolvimen­to deste clube com os seus grupos organizado­s de adeptos levou a que houvesse uma maior adesão da parte destes e estamos seguros de que, à medida que outros clubes se envolvam mais, a adesão também aumentará.

Serão os clubes a decidir onde e qual o tamanho das ZCEAP nos estádios?

RC – Sim, os clubes propõem as zonas, que terão de ser submetidas a aprovação. Há um preconceit­o que está instalado e que tem de ser alterado. Costuma-se falar em ‘jaulas’, aquelas zonas para os adeptos visitantes, mas se queremos hospitalid­ade não podemos falar em ‘jaulas’ para receber adeptos. Os clubes encontrara­m esse mecanismo para se defenderem de algum mau comportame­nto mas não é esse o caminho, e até queremos que elas deixem de ser necessária­s. Queremos um futebol onde as pessoas possam conviver em harmonia e com respeito pelo adversário, defendendo, obviamente, as suas cores e o seu clube. Por outro lado, as chamadas ‘jaulas’, a zona para os adeptos visitantes, não tem de coincidir com as ZCEAP. Ou seja, numa zona para adeptos visitantes, a ZCEAP pode ser apenas 30 por cento. Essa escolha é feita pelos clubes e se estes decidirem que a ZCEAP deve coincidir com toda a área para os adeptos visitantes estes terão mesmo de ser portadores do Cartão do Adepto. E estas zonas, atenção, são para adeptos da equipa visitante mas também da equipa visitada.

“SE QUEREMOS HOSPITALID­ADE NÃO PODEMOS FALAR EM ‘JAULAS’ PARA RECEBER ADEPTOS NOS ESTÁDIOS”

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RECEÇÃO. Rodrigo Cavaleiro falou a Record na sede da APCVD, em Viseu

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