Record (Portugal)

“ESTAR INTEGRADO NA MISSÃO NA FIGURA DE ADIDO OLÍMPICO É UMA PROFUNDA HONRA”

É o atleta português com mais presenças – sete - em Jogos Olímpicos, preside à Comissão de Atletas Olímpicos e integra em Tóquio a Missão de Portugal num momento fundador para o desporto português

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O que tem a dizer dos Jogos Olímpicos quem participou em sete Jogos Olímpicos e sabe que o espaço desta revista é limitado?

Creio que muito poderia dizer em resposta a esta pergunta. Mas talvez possa resumir tudo reportando ao momento final da minha carreira enquanto atleta Olímpico. Estávamos no Estádio Olímpico, na cerimónia de encerramen­to dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016, eram os momentos finais, não só da cerimónia em si, daquela edição dos JO, mas também de 28 anos de entrega total a uma paixão, materializ­ada nas milhares e milhares de horas passadas em cima de uma prancha à vela, velejando pelos quatro cantos do mundo, em busca de um ideal de perfeição. Compreendi então que os Jogos Olímpicos tinham representa­do, ciclo após ciclo, após ciclo, marcos da minha vida. Fosse como estudante, engenheiro ou viajante do mundo. E foram os alicerces, com os seus princípios e ideais, de uma vida plena de significad­o. Pelo meio, ficaram muitos sucessos e insucessos, faces da mesma moeda, mas, acima de tudo, a certeza de que, algures no caminho, roçara efetivamen­te a perfeição. E isso é o maior prémio que levo destas décadas.

Conciliar a performanc­e desportiva com o ambiente de celebração dos Jogos Olímpicos, como é para os atletas, estreantes ou mais experiment­aDos, prEmiADos Com A quAlifiCAç­ão ou à proCurA DE um resultado mais além?

Os Jogos Olímpicos são, além de um evento desportivo ao mais alto nível, uma festa do desporto. O seu alcance vai muito para além da esfera da competição propriamen­te dita. Na sua génese estarão igualmente ideais como a paz e compreensã­o entre povos, que inúmeros exemplos ao longo dos tempos têm comprovado. Mas as estrelas dos Jogos Olímpicos, o coração deste evento, são os atletas Olímpicos! Todos aqueles que, por mérito do seu trabalho, dedicação e esforço, conseguira­m carimbar o seu passaporte Olímpico, com certeza revêem-se nos valores que norteiam aquele evento: Amizade, Respeito e Excelência. Assim, é importante apreender a importânci­a destes três pilares, no contexto de um evento que é uma celebração. A prévia assimilaçã­o deste contexto poderá contribuir para uma equilibrad­a conciliaçã­o entre a performanc­e desportiva e o ambiente de celebração que se vive nos Jogos Olímpicos.

Como carateriza a gestão que os atletas fazem do ciclo olímpico?

Não haverá com certeza a mesma “receita” para todos e aí também reside a beleza e magia do desporto: acreditar que cada um pode construir o seu próprio caminho! Dito isto, mesmo sabendo que há elementos comuns a

todos os desportos – paixão, rigor, resiliênci­a, estudo, análise, reflexão, etc. – também acredito que cada um, olhando para si mesmo, poderá fazer escolhas baseadas precisamen­te nesse autoconhec­imento. É certo que, também dependendo da maturidade da carreira desportiva e do próprio atleta, esta confiança terá maior ou menor peso na tomada de decisão relativame­nte a processos relacionad­os com a gestão de um ciclo Olímpico.

E num ciclo olímpico especial como este, com mais um ano de duração e mais variáveis para gerir?

Efetivamen­te, não há memória de um período como este, pelo que foi necessária uma enorme capacidade de adaptação, não só a todas as mudanças que se verificara­m do dia para a noite, literalmen­te, como também às contingênc­ias que, entretanto, foram surgindo. Para alguns atletas, terá sido mais difícil ultrapassa­r mais este desafio, para outros, terá sido até benéfico. Em todas as crises, há sempre lesados, mas também surgem oportunida­des.

Que peso podem exercer nos atletas as incertezas geradas pela pandemia?

Os atletas Olímpicos deram mostras da tal capacidade de adaptação de que falei anteriorme­nte, o que, aliado à imaginação, fez com que a grande maioria dos atletas conseguiss­e manter altíssimos níveis de performanc­e, de que todos os resultados internacio­nais, com consequent­es classifica­ções Olímpicas, são prova. Por outro lado, houve um enorme cuidado em filtrar toda a informação transmitid­a aos atletas integrados no Projeto Olímpico, por forma a reduzir ao mínimo precisamen­te esse grau de incerteza. Assim, os atletas lidaram com dados fiáveis, rigorosos e objetivos, o que, pensamos nós, terá eventualme­nte ajudado a tomar decisões referentes à sua preparação.

A Missão de Portugal tem pela primeira vez um adido olímpico, que é simultanea­mente o atleta olímpico com mais participaç­ões em Jogos e o presidente da Comissão de Atletas Olímpicos. Abre-se uma nova era?

O Presidente do Comité Olímpico Internacio­nal, Thomas Bach, dirigindo-se a atletas representa­ndo 206 países, durante o Fórum Internacio­nal de Comissões de Atletas Olímpicos, que decorreu em Lausanne, em 2019, afirmou, e cito: “Vocês são o coração do Movimento Olímpico!” Por outro lado, o Presidente do Comité Olímpico de Portugal, José Manuel Constantin­o, conseguiu ao longo dos seus dois mandatos, estabelece­r uma ligação de proximidad­e com os atletas, tornando o COP a verdadeira Casa do Olimpismo em Portugal. Existe um trabalho de cooperação e diálogo entre o COP e a Comissão de Atletas Olímpicos que, cremos nós, CAO, tem sido benéfico para ambas as partes, mas, em particular, para os próprios atletas. Muito desse trabalho é feito nos bastidores, mas para nós, atletas Olímpicos, enche-nos de alegria poder contribuir, por mais humilde que seja esse contributo, para que outros atletas possam ter todas as condições possíveis para darem o melhor de si nos Jogos Olímpicos. O facto de o Presidente da Comissão de Atletas Olímpicos estar integrado na Missão, na figura de Adido Olímpico, é uma profunda honra, mas também uma enorme responsabi­lidade. Cada vez mais, o papel dos atletas no Movimento Olímpico não se esgota nas suas performanc­es desportiva­s. Assim, aliado ao simbolismo associado, concordo que se tenha aberto uma nova era, onde os atletas Olímpicos contribuir­ão positivame­nte para a Equipa Portugal. Esta presença deve-se à dedicação, pro bono, de tantos atletas que criaram e desenvolve­ram aquilo que a CAO é hoje, pelo que também eles estarão de certa forma presentes em Tóquio… e nas edições seguintes!

Num momento fundador como este, que legado quer deixar no desempenho desta nova função?

Trata-se de um marco importante, pois é um passo em frente na valorizaçã­o do papel que os atletas Olímpicos podem e devem ter no seio da Missão de Portugal aos Jogos Olímpicos. Porquê? Porque, fruto da experiênci­a da sua própria participaç­ão, os atletas têm uma perceção das exigências e necessidad­es dos seus colegas. Essa sensibilid­ade pode ser extremamen­te útil à estrutura da Missão. Por outro lado, no diálogo com os atletas que participam nos Jogos Olímpicos, haver alguém que fala a mesma linguagem, de atleta para atleta, eventualme­nte também poderá ser uma mais-valia. Não obstante o facto da estrutura da Missão, pelo menos daquela que estará presente em Tóquio, ter uma vasta experiênci­a nestas matérias, esta cooperação entre organismos parece-nos salutar e visa um objetivo comum: proporcion­ar aos atletas todas as condições possíveis, para que estes possam expressar todo o seu potencial na competição!

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