A síndrome Cristóvão Colombo
Os dirigentes e os administradores do Benfica que há muito rodeavam Luís Filipe Vieira parecem contaminados pela síndrome Cristóvão Colombo, que saiu da Europa sem saber para onde ia e voltou das Américas sem saber onde esteve. Esta aparente desídia deu azo a leituras diversas, mais a mais porque o próprio despacho do juiz Carlos Alexandre refere que “da narração facilmente se alcança que há outros comparticipantes” nas alegadas clandestinidades de Vieira. O anúncio de que haverá eleições até ao final do ano era, por isso, o único expediente possível para garantir legitimidade a esta gestão transitória – isto, sublinhe-se, na certeza de que os futuros corpos gerentes terão sempre, mas no tempo certo, de patrocinar uma auditoria externa.
A recente adenda ao prospeto do empréstimo obrigacionista em curso refere a abertura de uma investigação interna para “aferir a existência de conflitos entre os interesses privados” de Vieira e as suas obrigações com a SAD, admitindo a hipótese de “consequências graves e adversas a vários níveis” caso se prove a conduta ilegal. Percebe-se a vontade de tranquilizar o mercado de capitais e os adeptos mais ner- vosos. Mas a insinuação de que Vieira poderá até ser expulso de sócio nunca poderá ser apresentada em assembleia geral por quem está ainda a ser investigado e/ou andou demasiado tempo a assobiar para o lado.
O “Novo” noticiou há dias que o administrador Domingos Soares Oliveira também estará na mira das investigações policiais, ele que, importa recordar, não há muito tempo lidou com uma situação em que não lhe foi fácil explicar por que razão os gastos com o casamento da sua filha chegaram a ser debitados ao Benfica. A inevitabilidade de uma total clarificação ajuda, de resto, a perceber por que motivo o Benfica ainda não se constituiu assistente no processo de Vieira. É uma ponderação que faz sentido, não só por ainda não haver acusação, mas principalmente por haver muito tempo para dar aquele passo.
As responsabilidades dos restantes dirigentes e administradores, a existirem, serão sempre desiguais. Não custa sequer acreditar que todos os que rodeavam Vieira pudessem ignorar o esquema que o Ministério Público alega ter sido montado entre o ex-presidente e o empresário Bruno Macedo. Desde logo por se perceber que havia uma aceitação tácita à gestão autocrática de Vieira. Mas também porque, em função disso, nunca lhes seria fácil enxergar que, como indicia o Ministério Público, uma parte das comissões pagas ao empresário pudessem estar a regressar, após cumprirem um presumido roteiro de “lavagem”, ao âmbito pessoal de Vieira ou das suas empresas. De facto, não estou a ver como Rui Costa, por exemplo, poderia ter detetado o alegado embuste.
Mas já não é tão fácil acreditar como é que os principais colaboradores de Vieira não torceram o nariz, por exemplo, à OPA que a SAD já tinha tentado realizar em maio de 2020 e que só falhou porque a CMVM considerou ilegal a estrutura de financiamento da operação. Ou ao alegado “insider trading” mais recente com o “Rei dos frangos” (a CMVM confirmou ontem infrações que prejudicaram investidores da SAD). Nestes, como noutros casos, exigia-se outra consciência e outra supervisão. Principalmente de quem tem sapiência e responsabilidades na gestão financeira.
O grupo de que Vieira se foi rodeando, se não era um saco de gatos tinha, pelo menos, demasiados felinos que queriam ir à caça sozinhos – situação reconfirmada com a passagem de suplente a efetivo da direção de Jaime Antunes, mais um ex-opositor de Vieira convertido. O futuro vai mostrar se Rui Costa conseguirá libertar-se deste legado. Até porque a oposição não deixará de jogar essa cartada contra ele. Rui Costa adora o futebol e venera o Benfica, enquanto Vieira gostava era de ser presidente. Mas isso só lhe trará dividendos se perceber que o bom nome do Benfica não tem de ser defendido apenas nos tribunais. Uma forma de o mostrar seria assumir, por exemplo, a necessidade de uma revisão estatutária. Para que deixe de ser mais fácil ser presidente da República do que do Benfica…
RUI COSTA ADORA FUTEBOL E VENERA O BENFICA. VIEIRA GOSTAVA ERA DE SER PRESIDENTE