Resgatar o Benfica
Desde 1994, já lá vão 27 anos, o Sport Lisboa e Benfica teve quatro presidentes: Manuel Damásio, Vale e Azevedo, Manuel Vilarinho e Luís Filipe Vieira. Dos quatro, três estiveram detidos. Independentemente de juízos penais (que cabem aos tribunais), é possível fazer um juízo moral sobre a sua conduta. Manuel Vilarinho é mesmo a exceção em termos de benfiquismo genuíno e o único que não se viu envolvido em processos judiciais – seja enquanto presidente, seja na sua vida empresarial.
Dá que pensar: quando três em quatro presidentes nunca deveriam ter tido a honra de dirigir os destinos do Glorioso, há uma reflexão a fazer sobre o que é necessário para liderar um clube de futebol em Portugal e, acima de tudo, sobre que modelo de governação é este que torna possível o que sucedeu no Benfica.
Como é óbvio, Luís Filipe Vieira tem direito à sua verdade e a presunção da inocência é para ser levada a sério. Contudo, há informação suficiente sobre o que se passou, designadamente com a OPA, que permite um juízo valorativo definitivo dos benfiquistas, independente das decisões judiciais que terão o seu tempo.
Entre o acesso privilegiado que José António dos Santos terá tido às ações que o Novo Banco queria vender, passando pela ocultação aos órgãos sociais de que o Presidente era sócio do principal acionista privado (entretanto, na Comissão Parlamentar de Inquérito foi assumida a extensão da ação de Santos na resolução das dívidas com garantias pessoais de Vieira junto do universo Novo Banco), culminando no papel de intermediário entre privados que Vieira se prestou a desempenhar na promessa de venda de 25% da SAD, toda a história da OPA é um novelo vergonhoso, com contornos ainda por clarificar. Por si só, deveria ter levado à perda de mandato de Vieira. Surpreendentemente, na altura, foram os presidentes da Assembleia Geral da SAD e do clube que se demitiram.
Agora que o momento é de resgatar o Benfica, é um equívoco fulanizar a discussão sobre o futuro em Vieira – que aliás faz parte do passado. O problema do Benfica é bem mais profundo e implica uma discussão sobre como garantir que o que se passou não se repete, que o interesse do clube não volta a ser capturado por interesses particulares de alguns e que há regras de conduta que afastam dirigentes com comportamentos intoleráveis. Não menos importante, que há um controlo efetivo do clube sobre a SAD e não é a SAD – e os seus administradores e funcionários – quem gere, de facto, os destinos de um clube que é uma associação.
Não vejo como é que esse futuro se constrói, com os mesmos que por ação ou inação assistiram a tudo o que se passou (bastava que tivessem colocado as questões certas aquando da OPA!) e, acima de tudo, sem uma discussão estatutária sobre um modelo de governação que efetivamente proteja o Benfica dos desmandos de presidentes plenipotenciários. *