Record (Portugal)

“A MINHA CABEÇA FEZ UM CLIQUE”

- ALEX SANTOS

çPara quem não o conhece, pode contar-nos um pouco da sua história? Foi aos 16 anos que a sua vida mudou…

ALEX SANTOS – Eu fazia surf e viajava muito para países tropicais. Vim do Brasil aos seis anos e apanhei um vírus que morre em 30 dias, mas que deixa uns óvulos. Pode deixar nos rins, no fígado, no coração, mas no meu caso deixou na medula e, depois, esses óvulos calcificam. Passado alguns meses, estava a surfar e comecei a sentir uma dor nas costas, fui para o hospital e só voltei para casa passados dois anos. Isso foi o que me aconteceu...

Durante esse tempo em que esteve no hospital, o que lhe passava pela cabeça?

AS – Foram momentos muito depressivo­s, porque uma coisa é tu nasceres com uma deficiênci­a, outra é estares na idade da aparência, de te mostrares às pessoas e depois acontecer-te uma coisa daquelas. Entras num buraco profundo e é muito complicado sair de lá, dizem mesmo que só cinco por cento das pessoas é que conseguem fazê-lo.

Conseguia ter algum tipo de pensamento positivo?

AS – Não, nunca houve nada disso. Lembro-me de uma coisa como se fosse hoje. Desde pequeno que gostava muito de ir para o Algarve e eles fizeram-me uma surpresa. Estava internado em Alcoitão e só ia a casa nos fins-de-semana, então eles disseram-me que íamos para o Algarve e aquilo acabou por ser igual para mim, não mudou nada. Até se me dessem um avião não ia mudar nada. Não havia qualquer tipo de sentimento, aquilo era mesmo depressivo. Entras num poço de onde não consegues sair.

E de que forma é que foi capaz de ultrapassa­r essa depressão?

AS – É uma história engraçada, porque tive psicólogos e psiquiatra­s e nada resultou. Saí do hospital com uma depressão profunda e a médica perguntou se a minha mãe tinha condições de me colocar num país tropical e foi isso que ela fez. Alugou uma casa no Brasil ao lado de uma escola militar e eu fui para lá. Estava lá e a minha vida era casa e escola, escola, casa. Houve um dia que um vizinho chegou ao pé de mim e disse: ‘ó português, tu não sais, não te divertes’. Eu dizia que estava em recuperaçã­o, mas ele fez com que eu fosse ao bar dele naquela noite. Eu não queria ir, mas ele mandou uma pessoa buscar-me e acabei por ir. Quando cheguei lá, o que era o

“FUI PARA O HOSPITAL E SÓ SAÍ DOIS ANOS DEPOIS. ENTRAS NUM BURACO PROFUNDO E É MUITO COMPLICADO SAIR DE LÁ”

bar? Era uma casa de prostituiç­ão. Havia uma coisa que me fazia muita confusão que era as pessoas me perguntare­m o que aconteceu comigo, não gostava nada de falar sobre isso, fazia sentir-me um coitadinho. Tinha ainda outro problema que era pensar como é que ia arranjar uma namorada estando numa cadeira de rodas… Mas ali não aconteceu nada disso. Cheguei lá e as prostituta­s trataram-me como

se fosse uma pessoa normal e aí eu comecei a pensar de outra forma. Embebedei-me lá, fartei-me de beijar mulheres e acordei com três em casa, que me levaram e ajudaram-me. Depois, eu comecei a ir a esse bar todos os dias. A minha cabeça, de um dia para o outro, fez um clique. Comecei a ver que era uma pessoa normal, que conseguia ter uma vida normal. Fiquei seis meses lá, até que a minha mãe descobriu que eu frequentav­a esse tipo de festas e mandou-me regressar. Quando voltei para Portugal nunca mais me senti em baixo, foquei-me nas coisas e nunca mais tive depressão. A sociedade vê as pessoas a andar com as duas pernas, fora disso é um coitado. Então, esse Mundo da prostituiç­ão ajudou-me muito a ultrapassa­r tudo o que tinha na minha cabeça porque não tinham qualquer tipo de preconceit­o. Aquilo fez-me despertar. Não foi através de psicólogos ou de psiquiatra­s.

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