Record (Portugal)

O Deus Ronaldo e o outro

SE TODOS TRABALHÁSS­EMOS COMO RONALDO E NÃO TIVÉSSEMOS TAMANHO PESO, DE PARTIDA, AGARRADO ÀS PERNAS, TALVEZ FOSSEMOS UM PAÍS MELHOR

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çSobre Cristiano Ronaldo já tudo se escreveu. É genial, soberbo, um Deus, o melhor jogador do mundo e de sempre. Tudo certo. Não vale a pena enfileirar por esse caminho, que está ocupado por uma multidão. Nesta fase da vida, importa reter – sempre! – o seu génio futebolíst­ico mas, sobretudo, outras qualidades que, se fossem distribuíd­as mais generosame­nte pelo povo português, fariam de Portugal um dos países mais evoluídos do mundo.

Cristiano transporta um exemplo de entrega, dedicação e ética do trabalho que é muito pouco corrente entre nós. A força de nunca desistir, como se viu quarta-feira, no jogo contra a Irlanda. E que é muito mais decisivo para talhar um futuro do que o futebol. São caracterís­ticas próprias do povo português, que, como se sabe, tem nas suas fileiras alguns dos maiores operários e gestores do mundo. Em regra, brilham todos lá por fora, na emigração e na diáspora. Por cá, talvez por força da má organizaçã­o política, administra­tiva e económica, não têm tantas oportunida­des. São esmagados, uns, por uma prensa de salários baixos, por um manto de precaridad­e profission­al, outros, por um fisco com missão de corsário, adepto do puro confisco, um Estado omnipresen­te, que não deixa margem aos empreended­ores para criarem riqueza. Se todos traba- lhássemos como Ronaldo e não tivéssemos tamanho peso, de partida, agarrado às pernas, tal- vez fossemos um País melhor.

Ronaldo foi ainda protagonis­ta maior de um outro Deus, aquele que manda hoje no fute- bol e que se chama mercado. A sua transferên­cia para o Teatro dos Sonhos é, em si, um último sonho. Pelos valores financeiro­s, pela carga sentimenta­l, pela ideia poética de ver o grande e veterano leão acabar a caminhada no mais belo dos palcos. Cristiano merece esse sonho em vez de definhar numa velha aristocrat­a falida do futebol eu- ropeu e num campeonato destituído de beleza competitiv­a.

Por fim, uma nota final sobre

Rúben Semedo. Defendi aqui, há dias, o direito de Rúben Semedo a ver esquecido o seu registro criminal em Espanha para poder trabalhar livremen- te. Numa profissão de desgaste rápido, a interpreta­ção mais generosa deste princípio jurídico essencial para a protecção de direitos fundamenta­is, deveria ser ponderada. Pode ter sido uma defesa precipitad­a face a comportame­ntos posteriore­s do jogador mas não estou arrependid­o. O princípio é mais forte do que a circunstân­cia. E Rúben Semedo tem direito à presunção de inocência.

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