Quando o desporto fica em suspenso
Seleção afegã de futebol esteve 18 anos sem jogar. Evolução das últimas décadas está ameaçada
Quando assumiram pela primeira vez o poder em Cabul, há 25 anos, os talibãs fecharam todas as escolas para o sexo feminino, as mulheres foram impedidas de trabalhar fora de casa e obrigadas a usar burqa, proibindo ainda a televisão, a generalidade dos desportos e atividades recreativas. O futebol sofreu naturalmente com isso, tal como todas as outras modalidades. Mas, até então, o desporto-rei também tinha pouca expressão competitiva, pois a seleção local não fazia qualquer partida internacional desde 1984, devido à invasão da União Soviética e à guerra civil que se seguiu. Os afegãos tiveram, assim, que esperar até 2002 para verem a sua equipa nacional a jogar. Um retrocesso de décadas para uma nação que até participou no torneio olímpico de futebol de... 1948! O regresso ao convívio internacional foi, naturalmente, complicado. Em janeiro de 2003, o Afeganistão surgiu pela primeira vez no ranking da FIFA... em último lugar (204.º). Mas a evolução também surgiu de forma natural, chegando em 2014 à sua melhor posição (122.º). Na atualidade ocupa o 153.º posto e os últimos resultados até foram animadores: apenas uma derrota (1-2 com Omã) nos cinco jogos realizados em 2021; no último encontro, a 15 de junho, empatou (1-1) com a Índia, apenas devido a um autogolo. E, em novembro de 2019, só perdeu (0-1) com o Qatar, que defrontou ontem Portugal, por culpa de um penálti! Curiosamente, na lista de 26 convocados para esses encontros de junho passado só quatro jogadores (e dois deles ainda sem qualquer internacionalização) alinhavam em equipas afegãs. A esmagadora maioria jogam em países como a Holanda, a Suécia, a Finlândia, a Alemanha, a Austrália ou até o Bangladesh e a Índia. Com a próxima partida oficial agendada apenas para fevereiro de 2022, resta saber se esses futebolistas aceitarão jogar sob a bandeira talibã e se o cenário da anterior passagem destes pelo poder em Cabul se repete. Então, o estádio Ghazi tornou-se mais famoso pelas execuções públicas do regime do que pelo futebol. Agora, as primeiras indicações apontam para uma maior tolerância, pois surgiram ainda em agosto imagens de responsáveis talibãs em jogos do campeonato regional de Herat. E Ahmad Ammar, vice-governador dessa província, alertou os seguidores para que “ninguém perturbe as atividades relativas ao futebol”, garantindo que esta modalidade “é um desporto encantador e que deveria ser apoiado”.
Bem diferente será a situação do futebol feminino. Com uma seleção que chegou a estar no 106.º posto do ranking da FIFA em 2017 (agora ocupa o 152.º lugar), a posição talibã em relação às mulheres ditou o destino da equipa. Além disso, as jogadoras afegãs que faziam parte da seleção – tal como todas as que praticavam o desporto no país – ou fugiram ou passaram à clandestinidade devido aos riscos que corriam.
No Mundial de... críquete
Outra das modalidades de eleição dos afegãos é o críquete. E a evolução dos últimos anos foi tão significativa que a seleção masculina até esteve presente nos últimos dois Mundiais da modalidade, em 2015 e 2019, além de ocupar atualmente o 10.º posto no ranking internacional. Tratando-se do desporto com mais sucesso no Afeganistão nos últimos anos, os talibãs já garantiram que não irão interferir ou impedir qualquer competição masculina, mas para já foram adiados para o próximo ano uma série de três jogos de teste com o vizinho Paquistão que estavam agendados para este mês. Já no caso das mulheres, a situação deverá ser bem diferente, apesar de os líderes do novo regime garantirem que, desta vez, haverá mais liberdade do que na primeira passagem dos talibãs pelo poder.
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