Record (Portugal)

À volta do losango

É UM SISTEMA DESAFIADOR E QUE PODE SER UMA SOLUÇÃO DIFERENTE. MAS A SUA APLICAÇÃO, QUE NÃO ESTÁ AO ALCANCE DE TODOS, NÃO DEIXA DE SE APRESENTAR COMO PERIGOSA, DESIGNADAM­ENTE QUANDO CR7 VOLTAR

- BRUNO PRATA

Fernando Santos continua à procura da fórmula mágica que lhe permita mesclar uma geração invulgarme­nte talentosa com um CR7 que, aos 36 anos, já não se distingue tanto por baralhar os antagonist­as com eclosões vertiginos­as, dribles entonteced­ores e remates bombástico­s, mas que nem por isso deixa de se confirmar como o melhor finalizado­r da história do futebol. Na luta contra um quebra-cabeças que muitos veem como uma ‘quadratura do círculo’, o selecionad­or usou o ‘particular’ com o Qatar para baralhar e dar de novo, escolhendo um trunfo (4x4x2 losango) que, segundo os meus arquivos, já não usava desde 5 de junho de 2019, quando Portugal bateu (3-1) a Suíça, nas meias-finais da Liga das Nações – mas a vitória nesse jogo, tal como na final, frente à Holanda, foi garantida já com o recurso ao 4x3x3.

O teste com o Qatar não permitiu grandes conclusões. Desde logo porque Portugal apresentou as segundas linhas e Ronaldo já estava em Manchester. Mas também por falta de um adversário minimament­e desafiador. Deve ainda ter-se em conta que a experiment­ação ocorreu três dias após Santos surpreende­r, tanto ou mais, quando ousou colocar Bernardo Silva a médio interior (como joga no City) no bem mais usual 4x3x3, frente à Irlanda. Aposta que fez sentido a quem, como eu, há muito reclama uma Seleção capaz de apresentar um futebol mais associati- vo e envolvente. Mas, tirando um breve período inicial, Portugal foi desarticul­ado, permeável e incapaz de ferir o 5x4x1 irlandês. San- tos mudou ao intervalo, juntando André Silva a CR7, mas a melhoria só ocorreu com as entradas de João Mário e Nuno Mendes (e mais tarde de Moutinho), acabando por se impor o ‘killer instinct’ de um Ronaldo que os treinadore­s precisam exortar a concentrar-se naquilo em que ainda é o melhor.

CR7 lá virou o resultado, recebeu os justos e já gastos panegírico­s e a desbotada exibição foi quase unanimemen­te explicada pela aposta numa equipa com demasiados ases de trunfo, o que é uma crítica encapotada ao posi- cionamento de Bernardo – uma vez que foi essa a única mudança de fundo. O silogismo é rudimen- tar e enganoso, desde logo porque Bernardo até escapou à média negativa de uma equipa em que há muito não se via tanta gente a jogar tão mal. É verdade que faltou ligação por dentro, mas isso foi quase sempre consequênc­ia de lança- mentos extemporân­eos lá de trás e de cruzamento­s em zonas baixas, retirando capacidade para uma construção mais paciente. Aceitaria melhor a justificaç­ão de que a nova calendari- zação das seleções, com três jogos e viagens longas em tão poucos dias, é absurda e não permite a devida afinação. Comprova-o os empates (na receção à Bulgária e na visita à Suíça) de uma Itália recém cam- peã europeia, a derrota da Espa- nha na Suécia e os empates dos campeões do mundo franceses com a Bósnia e a Ucrânia.

Santos parece disposto a prosseguir o ‘rodízio’ tático, sendo provável que hoje, no Azerbaijão, volte a experiment­ar o losango. A dúvida é quem ocupará a posição 10. No tal jogo com a Suíça, foi Bernardo que jogou atrás de CR7 e João Félix, surgindo Rúben Neves como pivot defensivo (lugar que Palhinha deve reassumir, até porque está cada vez mais forte com bola, mas a escolha será entre dar dimensão física ou mais capacidade de imprimir ritmo alto na circulação). As outras alternativ­as para o vértice mais ofensivo do losango são Bruno Fernandes (desempenha um papel idêntico no United) e João Mário, que talvez garanta um equilíbrio maior. Desta escolha irá depender a definição dos dois médios interiores. Mais do que um ‘dez’, Santos parece pretender utilizar um médio mais adiantado, capaz de surgir entrelinha­s (leia-se entre a linha de defesas e a linha de médios adversário­s). Daí Fernando Santos ter começado por se referir a um 4x1x3x2...

É um sistema interessan­tíssimo e desafiador, mas cuja aplicação não está ao alcance de todos. Pode ser uma solução diferente (Rui Jorge usa-o com frequência nos Sub-21). Mas que não deixa de se apresentar como perigosa, designadam­ente quando CR7 voltar a estar disponível (como se tenta explicar no texto ao lado).

BERNARDO ATÉ ESCAPOU À MÉDIA DE UMA EQUIPA EM QUE HÁ MUITO NÃO SE VIA TANTOS A JOGAR TÃO MAL

O apego de Santos ao losango já é de longa data (recorde-se a sua passagem por Alvalade e pela Luz). Na Seleção, usou-o com frequência em 2014 e nas qualificaç­ões, mas aí com variantes. Foi um sistema populariza­do na década de 90, designadam­ente pelo Chile de Sampaoli. O Internacio­nal de Porto Alegre usou-o para ganhar ao Barcelona (de Ronaldinho Gaúcho, Deco e Iniesta) a final do Mundial de clubes de 2006. E foi com ele que, em 2005, o Sporting de Peseiro encantou (e perdeu tudo numa semana). Jorge Jesus também o usou em 2009, com Aimar (e depois Talisca) a ‘dez’. Deschamps chegou recentemen­te a ensaiá-lo, para tentar coabitar Benzema e Mbappé no ataque, com Griezmann por trás. Mas estes dois últimos foram recolocado­s nas alas após o empate da Fran- ça frente à Hungria, no Euro.

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