Síntese à moda de Conceição
O TÉCNICO DO FC PORTO NÃO SE LIMITOU A PROVAR QUE EXISTE UM PLANO B, FEITO DE UM FUTEBOL MAIS ASSOCIATIVO. MOSTROU QUE O CRESCIMENTO É SEMPRE A SÍNTESE DA MUDANÇA E DA CONTINUIDADE
çWinston Churchill dizia que melhorar é mudar e que ser perfeito é mudar com frequência. É inverosímil que Sérgio Conceição alguma vez se tenha inspirado nas convicções do estadista britânico. E quem conhece o técnico portista sabe que ele jamais abdicará dos princípios que já lhe eram primordiais enquanto jogador. Para ele, o futebol será sempre esforço, solidariedade, organização e até sacrifício. Daí que exija sempre compromisso e fome de glória. Mas também há muito se percebeu o quanto lhe desagrada ver a sua ideia de jogo resumida ao poder energético e, vá lá, à capacidade de ferir os adversários com o ataque à profundidade. A variabilidade de protagonistas e de embustes táticos que o FC Porto mostrou nos últimos jogos dão-lhe razão.
O FC Porto subiu ao Wanda Me-
tropolitano apenas quatro dias depois de um jogo desinspirado em Alvalade. Nesse confronto com o Sporting havia trocado a vestimenta mais habitual por um 4x4x1x1 que deixava Toni Martinez no “banco” e dava liberdade a Corona para cirandar nas imediações de Taremi ou para permutar com Otávio e Díaz. Mas as coisas não funcionaram, apesar do adversário es
tar comovido por não poder contar, pela primeira vez, com Gonçalo Inácio e Pote. Os portis- tas fizeram uma partida áspera e o empate final (1-1) vestiu-se de castigo. O incomum conformis- mo portista permitiu que os pu- pilos de Rúben Amorim estives- sem mais perto de ganhar. Perante isto, soaram as campai-
nhas de alarme nos exigentes discípulos portistas. Não parecia a melhor ocasião para defrontar um campeão espanhol que fintou a crise pandémica e gastou barbaridades em reforços. E os analistas conjeturaram um “11” repleto de cautelas e caldos de galinhos. Nenhum esteve perto de acertar. Conceição recuperou o 4x4x2 clássico e não só fez regressar Martínez para o lado de Taremi, como recuou Corona para lateral e recuperou o flagelado Zaidu para a ala contrária, isto sem contar com a surpreendente titularidade de Grujic. E a verdade é que o FC Porto foi
superior em muitas fases do jogo e teve mais e melhores chances para marcar. Confirmou-se o choque de blocos maciços e ferozes, mas o FC Porto não foi apenas uma equipa compacta e com dentes de serra. Foi a única com ideias e dinâ- mica em ataque posicional, por- que Simeone, como lhe é hábito, ensaiou mais um exercício físico com bola como desculpa para o choque. Ao invés, Concei- ção comprovou a sua tese de que se deve defender bem para melhor poder atacar. Sim, porque Corona foi lateral porque (ainda) defende melhor do que João Mário. E foi também para defender melhor que Martinez voltou – o próprio Conceição re- conheceu que a ideia era pressionar a saída de bola do Atlético de Madrid, usando um dos avançados para atrapalhar Kondogbia. E quando Simeone desfez a defesa a cinco, Conceição comeu-lhe as papas na cabeça: mudou para 4x3x3 (fazen- do entrar Sérgio Oliveira e, mais
surpreendente, Vitinha), aumentando assim o controlo. Seguia-se a receção ao Moreirense, onde era previsível alguma rotatividade. Mas nada, predizia-se, que travasse a titularidade de Grujic e Martínez. Mais um tiro na água. Conceição lançou quatro jovens da célebre equipa que, há duas épocas, venceu a Youth League (que ficará como a personalização da melhor fornada que o Olival já produziu). Estrearam-se a titulares Wendell, Vitinha e Fábio Vieira, que recebeu o papel que havia sido atribuído a Corona em Alvalade e que ataviou a “alternativa” com três assistências para golo. Na primeira parte faltou velocidade na circulação e imprevisibilidade no aproveitamento do jogo entrelinhas, como se queixou um Conceição que falhou a previsão de um adversário organizado com uma defesa a cinco. Mas, ao intervalo, o FC Porto sacudiu as teias de aranha, subiu os decibéis e resolveu a contenda. Com fraque e laçarote bem ajustado, sacudiu o Moreirense como um espanta moscas, com golos poéticos (principalmente o terceiro) e momentos para dar gozo. Conceição não se limitou a provar que existe um plano B, feito de um futebol mais associativo. Provou que o crescimento é sempre a síntese da mudança e da continuidade, enunciado que talvez não desagradasse a Churchill.
QUANDO SIMEONE DESFEZ A DEFESA A CINCO, SÉRGIO COMEU-LHE AS PAPAS NA CABEÇA