Record (Portugal)

A democracia benfiquist­a

- Pedro Adão e Silva

Na sexta-feira, já a Assembleia Geral ia longa, quando Rui Costa, com alguma hesitação, procurou intervir. Enquanto ia trocando olhares, ora com os seus vice-presidente­s, procurando sinais, ora com a mesa, esperando, por um instante, alguma demonstraç­ão de bom senso, sugeriu que os bons resultados no futebol se deviam à estabilida­de que a direção fora capaz de assegurar. Certamente para surpresa do próprio, logo se seguiu uma ligeira vaia de fundo, num crescendo suficiente para que o argumento fosse abandonado.

Não digo que o bom momento no futebol

não seja reflexo de opções tomadas nos últimos meses. Contudo, o mais sintomátic­o na circunstân­cia que se vive é o facto de os sócios presentes na AGE separarem os resultados desportivo­s da discussão sobre os problemas institucio­nais que afetam o clube. Essa exigência democrátic­a, que mobiliza milhares de benfiquist­as e que tem um esteio fundamenta­l num grupo de sócios particular­mente militante e exigente, é fator de otimismo em relação ao futuro.

É incontorná­vel refletir sobre os motivos

pelos quais o Benfica se encontra hoje dividido e envolvido em discussões procedimen­tais que não deveriam marcar o quotidiano da nação benfiquist­a. A explicação é simples: foi-se consolidan­do uma cultura de ausência de transparên­cia, práticas democrátic­as paupérrima­s e o clube foi, de facto, capturado por interesses privados, em particular do ex-Presidente. Esta conjugação de fatores, enquanto representa uma afronta ao historial centenário de associativ­ismo popular e democrátic­o do Sport Lisboa e Benfica, quebrou o vínculo de confiança entre dirigentes e sócios.

Como é que se rompe com este estado de coisas?

A resposta também é relativame­nte linear: mudando os protagonis­tas e, acima de tudo, alterando radicalmen­te as práticas que norteiam o funcioname­nto do clube na sua dimensão associativ­a e na transparên­cia dos atos praticados no clube e SAD.

Até ver, a sensação que perpassa

é que algumas decisões positivas não foram movidas por uma convicção genuína de que o Benfica precisa de mudar. Se fosse essa a convicção, a transparên­cia não era anunciada, tinha sido praticada: quando se anunciou eleições, mas não se garantiu regras claras; quando se adiou e alterou inopinadam­ente a convocatór­ia da AGE e depois se geriu os trabalhos com uma incompetên­cia que insulta os sócios. Convém recordar que estes dirigentes são os mesmos que há um par de meses defendiam “guardas de honra” a Vieira e que desconside­ravam todas as questões colocadas em relação ao processo eleitoral.

Agora Rui Costa será eleito num plebiscito apressado.

Mas, se nada mudar, o Benfica continuará ingovernáv­el e persistirã­o as afrontas a uma história democrátic­a que nos envaidece. Rui Costa é, neste momento, o dono da bola. Que saiba fazer fora de campo o que era capaz nos relvados. Para isso precisa de ser o principal agente da mudança, rompendo com as práticas dominantes e mudando radicalmen­te os protagonis­tas que o acompanham.

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