A democracia benfiquista
Na sexta-feira, já a Assembleia Geral ia longa, quando Rui Costa, com alguma hesitação, procurou intervir. Enquanto ia trocando olhares, ora com os seus vice-presidentes, procurando sinais, ora com a mesa, esperando, por um instante, alguma demonstração de bom senso, sugeriu que os bons resultados no futebol se deviam à estabilidade que a direção fora capaz de assegurar. Certamente para surpresa do próprio, logo se seguiu uma ligeira vaia de fundo, num crescendo suficiente para que o argumento fosse abandonado.
Não digo que o bom momento no futebol
não seja reflexo de opções tomadas nos últimos meses. Contudo, o mais sintomático na circunstância que se vive é o facto de os sócios presentes na AGE separarem os resultados desportivos da discussão sobre os problemas institucionais que afetam o clube. Essa exigência democrática, que mobiliza milhares de benfiquistas e que tem um esteio fundamental num grupo de sócios particularmente militante e exigente, é fator de otimismo em relação ao futuro.
É incontornável refletir sobre os motivos
pelos quais o Benfica se encontra hoje dividido e envolvido em discussões procedimentais que não deveriam marcar o quotidiano da nação benfiquista. A explicação é simples: foi-se consolidando uma cultura de ausência de transparência, práticas democráticas paupérrimas e o clube foi, de facto, capturado por interesses privados, em particular do ex-Presidente. Esta conjugação de fatores, enquanto representa uma afronta ao historial centenário de associativismo popular e democrático do Sport Lisboa e Benfica, quebrou o vínculo de confiança entre dirigentes e sócios.
Como é que se rompe com este estado de coisas?
A resposta também é relativamente linear: mudando os protagonistas e, acima de tudo, alterando radicalmente as práticas que norteiam o funcionamento do clube na sua dimensão associativa e na transparência dos atos praticados no clube e SAD.
Até ver, a sensação que perpassa
é que algumas decisões positivas não foram movidas por uma convicção genuína de que o Benfica precisa de mudar. Se fosse essa a convicção, a transparência não era anunciada, tinha sido praticada: quando se anunciou eleições, mas não se garantiu regras claras; quando se adiou e alterou inopinadamente a convocatória da AGE e depois se geriu os trabalhos com uma incompetência que insulta os sócios. Convém recordar que estes dirigentes são os mesmos que há um par de meses defendiam “guardas de honra” a Vieira e que desconsideravam todas as questões colocadas em relação ao processo eleitoral.
Agora Rui Costa será eleito num plebiscito apressado.
Mas, se nada mudar, o Benfica continuará ingovernável e persistirão as afrontas a uma história democrática que nos envaidece. Rui Costa é, neste momento, o dono da bola. Que saiba fazer fora de campo o que era capaz nos relvados. Para isso precisa de ser o principal agente da mudança, rompendo com as práticas dominantes e mudando radicalmente os protagonistas que o acompanham.