Vlachodimos é um grande guarda-redes?
O FUTEBOL DEIXOU DE SER JOGADO POR 10+1 E PASSOU A SÊ-LO POR 11. SE O GUARDIÃO FOR ELEGANTE, PACIENTE, SERENO, REGULAR, FIÁVEL E EFICAZ, TANTO MELHOR. NÃO SENDO UM FENÓMENO, O GREGO JÁ É MUITO BOM. TEM TUDO PARA SER AINDA MELHOR
çAos 27 anos está no momento perfeito para consolidar a totalidade das características técnicas, táticas, físicas e psicológicas que ditam a evolução e traçam o perfil temperamental de um guarda-redes. Só o tempo e a eterna vontade de aprender, a que está associada a escravidão do trabalho e a correta valorização da responsabilidade, permitem aos guardiões do templo valorizar a precisão de cada gesto e aproximar-se do máximo das suas possibilidades. O processo requer concentração total e capacidade para interpretar cada etapa da evolução. Trata-se de um trabalho muitas vezes solitário, que exige, tanto quanto possível, o alheamento do burburinho mediático , sempre difícil de conseguir num grande clube.
Odysseas Vlachodimos está a formar-se
como guarda-redes de nível superior, porque continua a acumular valores imprescindíveis à sua construção, sem perder os que já adquiriu. Acrescentou perícia aos pontos débeis do seu jogo (melhor controlo da profundidade e avaliação mais consistente do espaço aéreo) e aproveitou a desilusão da época passada (sentiu-se injustiçado com a perda da titularidade) para se fortalecer e depurar elementos imprescindíveis à formação como esteio de uma grande equipa – autoridade, estatuto, liderança, serenidade, entrosamento e visão periférica. Muito significativo, consumou o trajeto sem danificar vantagens juvenis como coragem, instinto, magia, plasticidade, reflexos apurados, velocidade de reação e desejo de ser útil, adaptando-o a um contexto mais global da manobra coletiva.
O acerto revelado
no arranque da presente época obedece ao temperamento de um homem que, sendo protagonista, se comporta como ator secundário; que usufrui do talento para contemplar mas não se distrai; que é fundamental na peça que representa mas age como simples espetador. A consolidação dos atributos revelados suscita desde logo a reflexão sobre o modo como deve ser avaliado um guarda-redes. Dividamo-la em dois pontos: uma pelas aparições esporádicas
O golo sofrido na época passada em Alvalade, na compensação, contribuiu para a quebra de confiança do comando nele Jorge Jesus colocou-o no banco em 2020/21. Um momento dolo- roso para o guarda-redes, que chegou a solicitar a saída da Luz
com nome próprio e influência exclusiva (vulgares em equipas mais expostas), outra como simples elemento, ainda que preponderante, da manobra defensiva.
Foi entre uma coisa e outra
que balançou o diferendo entre a convicção geral dos milagres cometidos em três ou quatro ocasiões, neste ou naquele jogos da pré-época, e a convicção expressa por Jorge Jesus, que se recusou a individualizar o sucesso. O treinador benfiquista preferiu elogiar o todo da manobra defensiva, fazendo-o sem desvalorizar a preponderância de um elemento decisivo para o seu êxito. Ao contrário da ideia dominante (muitos consideraram que JJ menorizou a importância de um jogador considerado herói), a opinião do míster encerra o regozijo pela expressão adulta e refinada de um guarda-redes mais completo e com argumentos mais consistentes para corresponder à exigência de defender as costas de uma grande potência.
Vlachodimos não é o extravagante
que promove a ansiedade onde deve imperar o sossego; o que acredita poder ser útil desenquadrado da equipa, com exibicionismos nocivos e descontextualizados da realidade. Seja como for, é notório que se tem na conta de um fenómeno que ainda não é. O grego está a confirmar-se como guarda-redes apetrechado com armas adequadas à função que exerce. E quanto a isso não há qualquer dúvida. Prova de que o futebol deixou de ser jogado por 10+1 para passar a sê- -lo por 11 jogadores, nos dias que correm o guardião dos dominadores tornou-se mais elemento da ação coletiva do que um autor de intervenções avulsas. Se for elegante, paciente, sereno, regular, fiável e eficaz, tanto melhor. Não sendo um fenómeno, Vlachodimos já é muito bom. Tem tudo para ser melhor.
ESTÁ A FORMAR-SE COMO
JOGADOR MAIS COMPLETO
E COM ARGUMENTOS CADA VEZ MAIS CONSISTENTES