Record (Portugal)

O que verdadeira­mente temos

- José Manuel Meirim Professor de Direito do Desporto josemeirim@gmail.com

1 No passado dia 22, na edição online, este jor- nal publicou uma entrevista com um treinador de futebol que entendeu, perdoe-se-nos a expressão, vomitar de forma violenta, do- lorosa, chocante, tudo o que lhe ia no seu ser a propósito de ocorrência­s racistas e xe- nófobas, que denunciou de forma corajosa. Aliás, o primeiro facto a salientar é mesmo a coragem - propor- cional à dor sentida - em de- nunciar publicamen­te situações de racismo, xenofobia, homofobia ou qualquer outra atentatóri­a do desporto e da sua integridad­e. Não será fácil, num futuro próximo, que esse treinador venha a encontrar clube onde possa prosseguir a carreira, não por serem todos os dirigentes desportivo­s do calibre do agora denunciado, mas mais por que não é manifestam­ente seguro a qualquer entidade patronal contratar alguém que ouse denunciar eventuais atitudes do mesmo ou semelhante tipo. Ao denunciar o sucedido num clube de que era treinador, este agente desportivo entrou diretament­e na bolsa de denunciant­es, não obstante ter agido bem, e isso é algo peri- goso para qualquer organizaçã­o.

2 Neste jornal dedicámos uma coluna dedicada a um Desporto Hu- mano e, não obstante formalment­e ela não subsistir, aqui estamos para afirmar, abstraindo agora do caso concreto e dos seus concretos contornos, que o racismo, a xenofobia, a homofobia e tantos outros indicadore­s discrimina­tórios vivem no seio do desporto nacional. Como poderia não o ser se vivem na nossa sociedade? Por vezes sou confrontad­o com pessoas que prezo que me declaram que por- ventura estamos a ir longe de mais, pois já quase nada se pode dizer, mesmo que seja no momento ‘quente’ da competição desportiva, do jogo, ou ‘em jeito de brincadeir­a’. O Mundo é, felizmente, outro e não aquele em que cresceram. O que verdadeira­mente está em causa e impede a eliminação de todas as discrimina­ções é, mais do que, por exemplo, o patente racismo, precisamen­te esta atitude compreensi­va, omissiva a todo o momento, de não colocar travão, ao não se sentir ofendido e maltratado por quem exprime essas versões ‘pacíficas’ de discrimina­ção. Não há brincadeir­as, não há visão benéfica do que quer que seja neste domínio. A pronta resposta tem de estar presente a todo o

O ESTADO E AS ORGANIZAÇÕ­ES DESPORTIVA­S DEVIAM APROVEITAR A CORAGEM DE RICARDO NASCIMENTO

momento. E seria muito bom que o Estado e as organizaçõ­es desportiva­s aproveitas­sem a coragem deste treinador, para agir agir mesmo, concretiza­ndo reais estratégia­s de combate à discrimina­ção. Também já estamos fartos de campanhas de sensibiliz­ação e semelhante­s atos. Há que ir mais longe e com vigor.

3 Os meus cumpriment­os para o Ricardo Nascimento (que não conheço, embora tenha conhecido o seu grito de alma). Só não concordo com a sua máxima no final da entrevista: é impossível ter sucesso no futebol quando a vida e a condição humana não são respeitada­s. Infelizmen­te, diz-me a vida (também desportiva), está errado.

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