UM SHERIFF DE LUXO
Causou surpresa em Madrid, mas tem condições de sonho no meio da pobreza
A realidade da Moldávia contrasta com a realidade da Transnístria. O pequeno enclave socialista do tamanho do Algarve fica dentro das fronteiras da Moldávia, mas declarou unilateralmente a independência em 1990 com o apoio da Rússia, apesar de não ser reconhecido pela ONU. Usam moeda e bandeira própria, fala-se russo, num clima de nostalgia à antiga União Soviética como comprovam as várias estátuas de Lenine espalhadas pelo país.
É na capital Tiraspol que em 1997 nasceu o Sheriff, equipa que é a grande surpresa da Liga dos Campeões após ter vencido o Real Madrid em pleno Bernabéu, isto depois de ter batido o Shakhtar na jornada inaugural. Dois jogos, duas vitórias e liderança isolada do Grupo D. Quem adivinharia tal façanha de um emblema que fica dentro das fronteiras da Moldávia, o país mais pobre da Europa?
“Um mundo à parte”
Record esteve a conversa com Joãozinho para perceber a realidade do clube. O defesa de 32 anos, atualmente no Estoril, foi cedido pelo Sp. Braga ao Sheriff em 2014/15 . “Tiraspol é um mundo à parte. Lembro-me de jogar contra um clube que tinha subido de divisão e deparei-me com a pobreza. O ordenado mínimo naquela região da Moldávia era de 60 euros”, conta o jogador, que viveu no leste europeu a primeira experiência no estrangeiro, aos 25 anos. “Para se chegar a Tiraspol não é fácil. É preciso mostrar um visto que dê entrada naquela região. Os carros são todos revistados. Mas, como o patrão do Sheriff é o chefe da polícia, eles deixam-te passar. Posso dizer que a criminalidade na cidade é zero. Mas lembro-me de entrar na cidade e ver um tanque e tropas armados na cidade. Fiquei um pouco assustado, mas é por questões de segurança.” A experiência de Joãozinho no Sheriff foi marcada pelos contrastes. O complexo do clube tem três estádios, um deles coberto para o inverno, restaurante, hotel e nove campos de treino. Comodidades de um clube de topo. “Se não estiver ao nível das equipas da Premier League, anda lá perto”, atira o defesa. No entanto, Joãozinho não esquece quando foi jogar ao terreno do FC Saxan. “Foram quatro horas de viagem. Como não existem autoestradas, não há áreas de serviço. Parámos na berma da estrada para fazermos as necessidades”, recorda entre sorrisos.
E não foram apenas as infraestruturas de luxo do Sheriff que impressionaram Joãozinho. Por estar envolvido num meio contexto social e político pouco atraente, o clube paga bem aos seus jogadores, composto na sua maioria por estrangeiros. “Foi o clube que melhor me pagou. E já joguei em grandes clubes [Sp. Braga e Sporting]. Aqui em Portugal só Sp. Braga, Benfica, Sporting e FC Porto podem pagar aquilo que o Sheriff oferece. Para os estrangeiros aceitarem lá jogar têm de pagar bem.” O luxo do clube deve-se ao seu dono, o empresário Viktor Gushan, que aproveitou a privatização dos serviços estatais da URSS para formar a Sheriff, um autêntico império que detém supermercados, televisões, combustíveis, construtoras e um clube de futebol vencedor. *
“SÓ BRAGA, BENFICA, SPORTING E FC PORTO PODEM PAGAR O QUE O SHERIFF OFERECE”
JOÃOZINHO, ex-Sheriff e atualmente no Estoril