Record (Portugal)

Os melhores perfumes vêm em frascos pequenos

BRAGANÇA E VITINHA SERÃO SEMPRE DESCARTADO­S POR QUEM ACREDITA QUE OS JOGOS SERÃO SEMPRE MAIS DETERMINAD­OS PELOS DUELOS FÍSICOS, PELA ENERGIA E PELAS TRANSIÇÕES DO QUE PELO TALENTO E PELAS ORGANIZAÇÕ­ES

- BRUNO PRATA

TEM DE HAVER LUGAR

PARA OS CRAQUES QUE NÃO CONFUNDEM VELOCIDADE COM PRESSA

Vitinha e Bragança são jogadores subversivo­s que, para certos velhos do Restelo, expressam demasiado a sua irresponsa­bilidade e elegância plástica. Esquecem estes que isso é algo que não está ao alcance do comum mortal, mas apenas de quem tem a sua visão panorâmica e recursos técnicos quase ilimitados, a exemplo do que acontece com Bernardo Silva – viram aquele lance genial no último Liverpool-City? São catalogado­s como jogadores de posse por gostarem de cozinhar o jogo, mas a verdade é que procuram jogar sempre em progressão. Como pensam mais rápido, escolhem sempre os melhores caminhos. Isto na certeza de que, por vezes, é melhor optar por uma estrada secundária do que tentar acelerar por uma via rápida demasiado congestion­ada. São jogadores multifunçõ­es, por saberem ocupar zonas diferentes do campo e por serem fortes na execução das bolas paradas. çSe os jogadores fossem avaliados ao peso e ao centímetro, Daniel Bragança (69kg, 1,69m) e Vitinha (64kg, 1,72m) jamais escapariam ao rótulo de jogadores módicos, mas o futebol tem, felizmente, a inaudita faculdade de nos fazer entender por que razão os melhores perfumes se apresentam sempre em frascos pequenos. Os dois jovens médios estiveram em evidência este fim-de-semana no Sporting (vitória em Arouca, por 1-2) e no FC Porto (triunfo caseiro, também por 2-1, sobre o P. Ferreira), tendo a crítica especializ­ada sido unânime a considerar que estiveram magníficos em praticamen­te todas as ações que protagoniz­aram, o que ganha ainda maior relevo se atendermos à elevadíssi­ma participaç­ão que ambos tiveram nos respetivos jogos. Mas há um aspeto que importa especialme­nte realçar: uma montagem com alguns dos melhores momentos com que Daniel Bragança e Vitinha nos brindaram no passado sábado serviria às mil maravilhas para explicar, num seminário para treinadore­s em início de carreira, o que é sair a preceito das chamadas zonas de pressão. Ora, essa perícia vale ouro em tempos contemporâ­neos em que muitas equipas se especializ­aram na montagem de campos de minas e de cinturões táticos…

Daniel Bragança tem 22 anos e

Vitinha é um ano ainda mais novo, o que também confirma que o estilo, a ambição e o bom gosto não têm idade. Claro que os seus processos de maturação ainda não estão concluídos, razão que justifica o facto de não serem sempre primeiras escolhas. Mas a agressivid­ade e a intensidad­e ganham-se com treino de qualidade (e ambos dão nota de serem jogadores sempre disponívei­s para aprender), enquan- to o talento e o atreviment­o são inatos. São produtos exemplares e do melhor que a formação do FC Porto e do Sporting têm para oferecer. Até porque são dois jovens mentalment­e robustos e que se destacam pela sensatez e tranquilid­ade que transmitem.

Bragança escapa obviamente ao protótipo

de craque na linha de Ronaldo, Quaresma e Nani ou até Futre. Talvez quem mais se lhe assemelhe seja mesmo Hugo Viana. Pelo perfil cerebral e refinado e, claro, pelo pé esquerdo mágico. Capitão nas equipas de formação, foi campeão juvenil e júnior. Chegou ao Sporting com 8 anos e, triste pela parca utilização, só não desistiu pouco depois porque alguém no Sporting teve a destreza de lhe explicar que o talento sempre acaba por vingar… Os empréstimo­s ao Farense e ao Estoril aceleraram a sua evolução, por o obrigarem a sair da sua zona de conforto e pelo elevado tempo de jogo. Chamou a atenção no Europeu de sub-21, em que Portugal só foi batido na final pela Alemanha. Fábio Vieira, outro jogador refinado e que não engana, foi eleito o melhor da prova, mas Bragança esteve ao mesmo nível, como foi opinião do ‘scouting’ do Wolfsburgo e do Leverkusen… Chegou a fazer a pré-temporada com Marcel Keizer, mas foi Rúben Amorim quem o levou a sério.

Vítor Ferreira, que o futebol reconhece por Vitinha,

também foi campeão júnior, mas ficou principalm­ente ligado à célebre equipa do FC Porto que ganhou a UEFA Youth League. Foi lançado na primeira equipa por Rui Barros e, na época passada, saiu (contra a vontade de Sérgio Conceição) para um empréstimo que se pensava sem retorno. Mas o Wolverhamp­ton não conseguiu vender quem tinha na montra e acabou por não exercer a cláusula de compra (20M). Muito se arrepender­ão os ingleses, até porque Vitinha está cada vez mais competente nas coberturas e no pressing defensivo.

Os treinadore­s, como disse um dia Marcelo Bielsa,

podem cometer dois erros: fazer caminhar os jogadores que voam ou fazer voar os jogadores que caminham. Ainda bem que Rúben Amorim e Sérgio Conceição concebem que pode haver lugar de destaque para um género de craque que não confunde velocidade com pressa e que faz da épica um modo de vida. Bragança e Vitinha serão sempre descartado­s por quem acredita que os jogos serão sempre mais determinad­os pelos duelos físicos, pela energia e pelas transições do que pelo talento e pelas organizaçõ­es. Mas serão sempre escolha de quem aprecia a leveza e a doçura com que tratam e conduzem a bola.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal