Candidato a estrela da Liga
ACEITA A TIRANIA DA TÁTICA MAS RECLAMA LIBERDADE PARA NÃO SER APENAS UM FUNCIONÁRIO
SARABIA É UM POLO DE DESESTABILIZAÇÃO CONSTANTE, UM SAUDÁVEL INSUBORDINADO À ROTINA, QUE ACRESCENTA SOLUÇÕES À AÇÃO MAS É ESCRUPULOSO COM O PAPEL NO GUIÃO DEFINIDO PELO TREINADOR. JOGA DE MEMÓRIA MAS DEIXA-SE LEVAR PELO INSTINTO
çTem uma técnica sublime que dá perfeição aos gestos mais simples e deslumbra nos mais inesperados; o pé esquerdo opera milagres e a visão corresponde a quem assiste ao espetáculo no primeiro balcão; a imaginação é ilimitada, assente na inteligência muitas vezes revelada em forma de intuição. Pablo Sarabia é um génio na relação com a bola e pelas soluções personalizadas para cada dificuldade – um craque definitivo que domina os segredos coletivos do futebol e assim controla o jogo com total segurança. Aliás, é tanto melhor jogador quanto melhor se expressa a equipa – na Roja é interlocutor das inúmeras estrelas que integram a formação de Luís Enrique
– porque, tendo talento para quase tudo, precisa de um andaime amplo e seguro para suportar alguns devaneios artísticos.
PS tem o perfil técnico
e de intervenção no jogo daqueles que cumprem os requisitos das emoções dos adeptos, sempre sensíveis a quem os respeita pelo esmero depositado no trato da bola, e na relação com o jogo. Mas nunca deixou de dar satisfações à estatística, fator determinante para se tornar um futebolista consensual – os fanáticos dos números podem não reconhecer as obras de arte saídas do seu talento superior, mas sensibilizar-se-ão com alguém que, na última temporada ao serviço do Sevilha, em 2018/19, por exemplo, fez 53 jogos, marcou 23 golos e assinou 17 assistências! Apesar de a magia estar presente em tudo quanto faz, despoja o futebol de exibicionismos sem sentido – e as extravagâncias assombrosas que protagoniza são acompanhadas por um sentido de responsabilidade que lhe confere a imagem de austeridade.
Sendo um polo de desestabilização constante,
PS é um saudável insubordinado à rotina, que acrescenta soluções à ação mas é escrupuloso com o papel definido pelo treinador. Pode nem sempre concordar com as leis da burocracia, mas cumpre-as na íntegra, acrescentando-lhes apenas um pouco de fanta- sia; joga de memória mas não be- lisca o instinto; aceita a tirania da tática mas reclama um pouco de liberdade para não ser apenas mais um funcionário da fábrica.
Aos 29 anos deixou-se de malabarismos,
que lhe davam felicidade mas também lhe traziam problemas; diluiu a ansiedade que o diminuía e tornou-se um caso sério: depurou a consolidação dos laços solidários com os companheiros; ganhou consciência, fiabilidade e confiança; adquiriu poder de síntese e transfigurou-se num jogador mais objetivo, preciso e eficaz nas zonas de definição.
Com mês e meio de Sporting,
PS ainda não teve tempo para revelar tudo mas já mostrou ao que vem. Rúben Amorim recebeu um reforço de qualidade excecional, apetrechado com tudo o que é necessário para ser estrela do campeonato, cuja interferência pode até fazer oscilar a balança do título. Primeira escolha na Espanha, potência absoluta do futebol mundial, que resgatou na Liga das Nações uma estética fora de moda, que perdera a evidência ganhadora de outrora (primeira final desde 2012), PS confirmou o que podemos esperar dele ao serviço do campeão nacional: a grandeza do seu futebol foi despojada da diversão; a intervenção no jogo refinou-se com o acerto dos gestos mais simples; o modo como limpa adversários da frente com golpes de cintura aproxima-o da perfeição; os cruzamentos teleguiados e as finalizações sumptuosas com passes magistrais tornaram-se imagem de marca; o compromisso com a equipa evoluiu para bem sagrado.
PS dirige a orquestra desviado do púlpito;
é um maestro disfarçado, longe do centro da ação mas cuja influência é tão esmagadora como se estivesse no meio do palco a ditar ordens como condutor da manobra.