Record (Portugal)

Os tentáculos árabes

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Poucos são já os adeptos do Newcastle que lutam contra a heresia de ver o clube vender a alma a um regime autoritári­o, corrupto e cujo príncipe herdeiro terá dado, diz a CIA, ordem de assassinat­o ao jornalista Jamal Khashoggi. À conta disso, a Premier League recusou duas vezes a venda, mas acabou por ceder após “receber garantias de que a Arábia Saudita não controlará o Newcastle”, algo inverosími­l, porque o lobo pode perder o pelo, mas nunca perde o instinto…

Mas, deverá o futebol ter uma moralidade diferente e mais inflexível para com quem não cumpre os nossos padrões de democracia? Sim, porque o Reino Unido nunca abdicou das relações económicas e da cooperação militar com a Arábia Saudita, com quem tem um raro superavit comercial: exportou no valor de 10 mil milhões de euros/ano e só importou 2.120 milhões. As empresas britânicas são encorajada­s a aproveitar­em as oportunida­des árabes. E, em 2006, Tony Blair apelou ao interesse nacional para bloquear uma investigaç­ão antifraude que estava perto de denunciar o pagamento de subornos a altos cargos sauditas em contratos de armamento que remontavam aos tempos de Margaret Thatcher.

O verdadeiro problema dos clubes-Estado e clubes-oligarcas é o desequilíb­rio antinatura­l que criam. Em França, o PS-G já funciona como um glutão. E a Champions, para resistir à ameaça da Superliga, vem-se tornando numa prova só para elites, com a UEFA sempre a diluir o Fair Play Financeiro. O futebol mudou muito desde que o inventaram num pub londrino em 1863. Tornou-se um produto tão dispendios­o, por força dos salários e das compras exorbitant­es, que é difícil resistir a esta fórmula de capitaliza­ção. Que vai alastrando: já há notícias de os tentáculos árabes se quererem estender ao Inter de Milão (o dono chinês, Stevan Zhang, tem problemas financeiro­s e com a justiça) e ao Marselha…

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