A arte de saber defender
NA PARTIDA DO BENFICA CONTRA O BAYERN MUNIQUE FICOU EVIDENTE QUE LUCAS VERÍSSIMO É O ÚNICO ELEMENTO DO SECTOR RECUADO DAS ÁGUIAS CAPAZ DE FAZER DA BOA DEFESA O MELHOR ATAQUE
çSimeone não tem dúvidas. A arte de saber defender tem sido injustamente desvalorizada e sacrificada no altar do futebol atacante. Em recente conversa com Del Bosque, publicada pelo diário ‘El Mundo’, ‘El Cholo’ explicou bem o necessário compromisso entre um e outro. Se tiver jogadores para sair da sua grande área a jogar e a construir uma ideia de futebol ofensivo, melhor. Mas se não tiver esses jogadores de trato fino com a bola, visão de jogo e progressividade, então, que venha o pontapé para a frente e a correria em forma de voo para chegar lá à frente.
Parece o pragmatismo chabolista de quem vem de um meio económico fortemente desfavorecido , que não olha a meios para ganhar e que vive desapossado de estados de alma. Mas não é só isso. Não é só o voluntarismo guerreiro de quem sabe que não tem nada a perder e está pouco preocupado com a estética do jogo. É, sobretudo, um profundo realismo, totalmente definido pela constatação de que “a melhor Espanha e o melhor Barça”, ou seja, a celebração do ‘tiki-taka’ no seu apogeu, criaram uma ilusão nos treinadores de que lhes seria possível jogar assim, com aque- le grau de envolvimento do adversário e de posse de bola, se descobrissem os seus Piqué, Busquets, Xavi ou Iniesta, já para não ir ao irrepetível Messi.
Na verdade, essa é uma ilusão perigosa. Esse tipo de defesas, tão bons no pontapé para a frente como na construção de jogo, não são fáceis de encontrar. E o Benfica, ontem, bem o provou amargamente. Com excepção de Lucas Veríssimo, não estava lá nenhum capaz de fazer da boa defesa o melhor ataque, consentindo que em escassos 20 minutos se cavasse o evidente e abissal bura- co que existe entre os ‘tubarões’ da Champions e o resto de todos os outros peixes dos oceanos.
A posse de bola, a paciência germânica, o trabalho e a disciplina táctica, o seu ‘tiki-taka’ modelado também por um impressionante poder físico na luta pela recuperação da bola ou nas correrias das transições rápidas, qualidades que se reproduzem no Liverpool, Manchester City ou Paris Saint-Germain pela imensa força do dinheiro, não estão ao alcance dos clubes portugueses. Ou só acontecem, pontualmente, embrulhados numa entrega épica e heróica de uma noite feliz, como antigamente, entregando à divina providência a escolha desses momentos felizes. Como sempre, de resto, no futebol português.