O campeão que foge dos holofotes
IMPORTA AGORA QUE O RECONHECIMENTO SIRVA PARA CONSOLIDAR AUTORIDADE E NÃO FUNCIONE COMO SINAL DE PLENITUDE PREMATURA. GONÇALO INÁCIO TEM UMA CARREIRA PELA FRENTE. NÃO DEVE DESVIAR-SE UM MILÍMETRO DO DESTINO FINAL DA VIAGEM
çTem o perfil tímido de um homem delicado, a aparência de cidadão vulgar e um rosto sem traços que o distingam da multidão; aos 20 anos é um adolescente sensível, a quem não se conhece a voz e sobre quem se julga ser difícil corresponder às exigências de uma atividade pública. Quando a bola começa a rolar revela imunidade a qualquer influência do exterior. Gonçalo Inácio começa por distinguir-se pela impassível serenidade com que reage às circunstâncias que o envolvem numa grande equipa como o Sporting. Com um passado pouco exuberante nas camadas jovens nacionais (só 15 internacionalizações, dos sub-17 aos sub-21) e nunca apontado como estrela da formação leonina, é um produto do olhar clínico de Rúben Amorim que, mal chegou a Alvalade, lhe viu o que mais ninguém detetou e fez dele titular do campeão.
São muito exigentes as regras
que determinam o êxito de um central, todas elas subordinadas a valores adultos como responsabilidade, precisão, concentração e regularidade. Aos 20 anos, GI já tem incorporados elementos táticos para se antecipar ao tempo e entender cada movimento à sua volta, razão pela qual não está excessivamente dependente dos argumentos físicos. Não costuma vestir a pele de herói, não tem tiques de vedeta e escapa a cenários épicos resultantes de presença excessiva e espetacular, justamente porque desenvolveu parâmetros de intervenção baseados na noção de segurança e eficácia.
Esquerdino que também exerce na direita
de uma linha de três, impõe-se pelo modo como fecha diagonais defensivas e avalia tempos de contenção e desarme; não perde marcação em zonas problemáticas e tem posicionamento superior, qualquer que seja a circunstância e a distância da bola. Tem velocidade adequada, gere bem as situações de vantagem e corrige com facilidade eventuais falhas que o atrasem na ação. O sentido po- sicional permite-lhe estabelecer correlação de forças favorável com os avançados (é um obstáculo difícil de ultrapassar) e tem atuação condizente sobre a bola.
Para quem se orienta pela estatística,
leva 63 jogos, 6 golos e 4 assistências em menos de dois anos. Os números demonstram que tem aproveitado a experiência, a confiança do comando e o sucesso da equipa para expressar talento e construir-se como um dos centrais mais sólidos e competentes do futebol português. Sim, já cometeu erros expectáveis no percurso de afirmação (é o preço a pagar pela juventude) mas é impressionante a discreta infalibilidade que tem caracterizado a presença na equipa.
Hábil em condução,
ou não tivesse sido lateral-esquerdo, abrevia muitos passos na primeira fase de construção. A articulação em posse, a sublime técnica de passe e a visão do que acontece à sua frente permitem-lhe conceber solicitações perfeitas para levar perigo ao outro lado do campo. Sem recolher os favores de quem o analisa de fora, como se a dúvida permanecesse legítima depois de tudo quanto já fez, GI tem depurado o disco rígido com qualidades táticas, físicas e competitivas com as quais dimensiona o jogador que já é.
Pressionado a dar continuidade aos atos
para consolidar a autoconfiança, deve manter-se atento aos ensinamentos de mestre Amorim e prosseguir o caminho de modo a que o nível atingido não funcione como álibi para se desleixar na evolução. Importa agora que o reconhecimento universal sirva para con- solidar a autoridade como defesa-central de referência e não funcione como sinal equivocado de plenitude prematura. GI tem uma grande carreira pela frente. É importante que aproveite todas as condições favoráveis para não se desviar um milímetro do destino final da viagem.
GI TEM DEPURADO O DISCO RÍGIDO COM QUALIDADES TÁTICAS, FÍSICAS E COMPETITIVAS