Record (Portugal)

O penálti de Paulinho

TODAS AS SEMANAS SE MONTAM DISCUSSÕES A PROPÓSITO DE UM PEQUENO TOQUE, DE UMA SIMULAÇÃO OU DE UMA ENTRADA A PÉS JUNTOS. PORTUGAL SEMPRE FOI ASSIM, NA DITADURA E AGORA EM DEMOCRACIA. SEM SURPRESAS...

- Eduardo Dâmaso Diretor Geral Editorial Adjunto do CM/CMTV

çComo novela, o futebol português é uma maravilha. A riqueza argumentis­ta de jogadores, treinadore­s e dirigentes produz todas as semanas horas de televisão e notícias que projectam uma espécie de angústia da plenitude. Joga-se o tudo ou o nada. Ou se ganha tudo, ou não se ganha nada. Ou se rouba tudo, no campo, ou depois, através do VAR. Discute-se até à infinitude o tudo de um enorme nada.

Um pequeno toque, uma simulação, uma entrada de pés juntos,

tudo serve para montar a discussão da semana em todos os palcos. Tudo normal, na exacta medida da popularida­de que o futebol tem, e na importânci­a social que comporta. Portugal sempre foi assim. Sempre deu mais importânci­a ao maior fenómeno de entretenim­ento que temos do que propriamen­te à forma como somos (des) governados. Era assim na ditadura, é assim em democracia. Sem surpresas ou juízos de valor.

Esta semana, coube a Paulinho escrever o argumento

de todos os programas desportivo­s e conversas de café com o penálti-que-não-terá-sido penálti, no Sporting-Paços de Fer- reira. Foi a metáfora da semana sobre o estado da coisa. Com a temporada a entrar na recta final, na ressaca do Covid e de uma guerra brutal na Ucrânia, cujas sanções terão um efeito de proporções ainda não inteiramen­te conhecidas, num futebol europeu cheio de dinheiro russo, vamos ter mais umas semanas de conversa à volta de penáltis como o de Paulinho.

Noutros países acontece a mesma coisa.

Mas nesses países também se discutem as mazelas deixadas pelos tempos convulsos que vivemos. Se as primeiras ligas vão ter menos clubes, se vai haver menos jogadores à disposição dos treinadore­s, portanto, plantéis mais pequenos e menos despesa, se a carga salarial bai- xa, se as fontes de financiame­nto se diversific­am e a bazuca dos direitos televisivo­s centraliza­dos, se os clubes não dependem de ajudas públicas e empréstimo­s bancários, se o espectácul­o melhora e as mul- tidões enchem todos os estádios, não apenas os dois grandes clubes. Num futebol onde o capital que domina as sociedades anónimas desportiva­s tende a eliminar progressiv­amente a velha paixão associativ­a, não seria mau que se começasse, também por cá, a pensar mais no futuro do futebol do que nos penáltis dos Paulinhos de cada jornada.

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