Conceição por fim consensual
CONSTRUIR UMA EQUIPA COMPETITIVA E PRAZEROSA SEM UM TREINADOR COMPETENTE E VERSADO É ALGO TÃO VEROSÍMIL COMO TENTAR EXTRAIR GASÓLEO DE UMA BIMBY…
CONCEIÇÃO OUSOU VÁRIAS VEZES AFRONTAR ATÉ OS PEQUENOS PODERES INTERNOS DO FC PORTO
Conceição é hoje mais consensual também à custa do refinamento que a equipa sofreu esta época. O futebol amadureceu de forma progressiva e hoje está longe de se reduzir ao ataque à profundidade, à pressão agressiva, à voracidade e à forte reação à perda. Continua a armadilhar o adversário e a cobiçar a compacidade horizontal com ataques rápidos. E tornou-se ainda vez mais forte nas bolas paradas . Mas ganhou novas dinâmicas e soluções, designadamente em ataque posicional. É agora uma equipa mais fina, combinativa e ágil, qualidades mantidas mesmo após perder Diáz, que era o maior craque na liga. Acresce a plasticidade que lhe permite mudar de sistema até no mesmo jogo, como se voltou a ver com o Benfica. Este FC Porto tem mais paciência, sabe meter pausa e variar o centro do jogo. Claro que isso resulta também da presença da “juventude inquieta” produzida no Olival, que oferece a magia e os predicados reclamados por um futebol mais associativo. Mas foi também Conceição que burilou e lançou, nos momentos certos, esta geração de ouro.
Demorou, mas hoje são principalmente os adeptos do FC Porto a identificar Sérgio Conceição como o grande obreiro do sucesso. Durante os festejos da conquista do 30º campeonato, Conceição quase acabou elevado à condição de ícone e profeta na Alameda do Dragão, o que é significativo num clube cheio de idiossincrasias e em que os treinadores quase sempre são olhados como uma mera peça de uma engrenagem excelsa. No caso de Conceição, este paradoxo foi ostensivo durante demasiado tempo. Isso resultou, em boa parte, do ressentimento pelo título perdido para o Benfica, em 2018/19, quando o FC Porto esbanjou a vantagem de sete pontos (situação que se repetiria, mas ao contrário, na época seguinte). E talvez também por força do tempe- ramento de um Conceição que nunca se apoquenta com o seu grau de popularidade e que, por vezes, é tão subtil como um com- boio de mercadorias.
Mas o reconhecimento a Conceição só peca por tardio. Um olhar mais reducionista medirá o seu sucesso em função dos títulos conquistados nestas cinco épocas: três ligas intercaladas, uma Taça de Portugal (serão duas se o FC Porto bater o Tonde- la na próxima final) e duas Super- taças. Mas esse prisma será sempre redutor se não se acrescentar que o primeiro título impediu o Benfica de celebrar um pentacampeonato que só pode ser visto no museu do Dragão, com tudo o que isso representaria em termos emocionais e mediáticos. E também se não for levado em conta que Conceição largou a situação cómoda no Nantes para aceitar treinar um FC Porto que outros, como Marco Silva, recusaram. Nunca é demais lembrar que não se amedrontou com os cofres vazios nem com as restrições impostas pelo fair play financeiro da UEFA. E que dobrou um Benfica bem mais abastado, tirando partido de jogadores antes renegados, como Marega e Aboubakar.
Essa conquista evitou uma hecatombe que parecia inevitável e teve um efeito rejuvenescedor. Mas na trajetória ascendente que se seguiu não foram menos importantes as boas campanhas na Liga dos Campeões. O relatório e contas do FC Porto no final da época de 2020/21 assinalava um passivo recorde de 526M€ e capitais próprios negativos de 118M de euros, cenário que só foi possível suportar porque, nas últimas cinco épocas, a participação nas provas europeias rendeu um total de 280M€. Nesse período, a inerente valorização internacional dos jogadores potenciou transferências que totalizaram cerca de 290M€. Tudo soma- do, dá um valor próximo dos 570M€. Foi muito à conta disso que a SAD portista conseguiu su- portar o fardo pesado dos juros da dívida e o problema estrutural que continua por resolver.
Menos tangível, mas igualmente importante, foi o grau de exigência que Sérgio Conceição impôs não só ao seu grupo de trabalho (que o foi conhecendo e respeitando cada vez mais), mas também a outros departamentos correlacionados, designadamente à área da comunicação, onde agora surge claramente irmanado com Rui Cerqueira. Num clube em que Pinto da Costa impõe, há quatro décadas, um ordenamento interno e uma autoridade que são incontestáveis e que são justificadamente associados ao sucesso desportivo do FC Porto, o treinador ousou várias vezes afrontar até os pequenos poderes internos. E não teve dúvidas em assumir que as saídas de Luis Díaz, Corona e Sérgio Oliveira, a meio da travessia, obrigavam a “redefinir os objetivos” europeus. A verdade é que o fez sempre com a complacência e até alguma vénia de um presidente que revê em Conceição muito do que mais estimava em Pedroto.
“Ó Conceição, ó Conceição, faz do FC Porto campeão”, entoam agora os adeptos. Estão finalmente convencidos de que construir uma equipa capaz de bater recordes e de apresentar um futebol competitivo e prazeroso sem um treinador competente e versado seria algo tão verosímil como tentar extrair gasóleo de uma Bimby…