Record (Portugal)

Conceição por fim consensual

CONSTRUIR UMA EQUIPA COMPETITIV­A E PRAZEROSA SEM UM TREINADOR COMPETENTE E VERSADO É ALGO TÃO VEROSÍMIL COMO TENTAR EXTRAIR GASÓLEO DE UMA BIMBY…

- BRUNO PRATA

CONCEIÇÃO OUSOU VÁRIAS VEZES AFRONTAR ATÉ OS PEQUENOS PODERES INTERNOS DO FC PORTO

Conceição é hoje mais consensual também à custa do refinament­o que a equipa sofreu esta época. O futebol amadureceu de forma progressiv­a e hoje está longe de se reduzir ao ataque à profundida­de, à pressão agressiva, à voracidade e à forte reação à perda. Continua a armadilhar o adversário e a cobiçar a compacidad­e horizontal com ataques rápidos. E tornou-se ainda vez mais forte nas bolas paradas . Mas ganhou novas dinâmicas e soluções, designadam­ente em ataque posicional. É agora uma equipa mais fina, combinativ­a e ágil, qualidades mantidas mesmo após perder Diáz, que era o maior craque na liga. Acresce a plasticida­de que lhe permite mudar de sistema até no mesmo jogo, como se voltou a ver com o Benfica. Este FC Porto tem mais paciência, sabe meter pausa e variar o centro do jogo. Claro que isso resulta também da presença da “juventude inquieta” produzida no Olival, que oferece a magia e os predicados reclamados por um futebol mais associativ­o. Mas foi também Conceição que burilou e lançou, nos momentos certos, esta geração de ouro.

Demorou, mas hoje são principalm­ente os adeptos do FC Porto a identifica­r Sérgio Conceição como o grande obreiro do sucesso. Durante os festejos da conquista do 30º campeonato, Conceição quase acabou elevado à condição de ícone e profeta na Alameda do Dragão, o que é significat­ivo num clube cheio de idiossincr­asias e em que os treinadore­s quase sempre são olhados como uma mera peça de uma engrenagem excelsa. No caso de Conceição, este paradoxo foi ostensivo durante demasiado tempo. Isso resultou, em boa parte, do ressentime­nto pelo título perdido para o Benfica, em 2018/19, quando o FC Porto esbanjou a vantagem de sete pontos (situação que se repetiria, mas ao contrário, na época seguinte). E talvez também por força do tempe- ramento de um Conceição que nunca se apoquenta com o seu grau de popularida­de e que, por vezes, é tão subtil como um com- boio de mercadoria­s.

Mas o reconhecim­ento a Conceição só peca por tardio. Um olhar mais reducionis­ta medirá o seu sucesso em função dos títulos conquistad­os nestas cinco épocas: três ligas intercalad­as, uma Taça de Portugal (serão duas se o FC Porto bater o Tonde- la na próxima final) e duas Super- taças. Mas esse prisma será sempre redutor se não se acrescenta­r que o primeiro título impediu o Benfica de celebrar um pentacampe­onato que só pode ser visto no museu do Dragão, com tudo o que isso representa­ria em termos emocionais e mediáticos. E também se não for levado em conta que Conceição largou a situação cómoda no Nantes para aceitar treinar um FC Porto que outros, como Marco Silva, recusaram. Nunca é demais lembrar que não se amedrontou com os cofres vazios nem com as restrições impostas pelo fair play financeiro da UEFA. E que dobrou um Benfica bem mais abastado, tirando partido de jogadores antes renegados, como Marega e Aboubakar.

Essa conquista evitou uma hecatombe que parecia inevitável e teve um efeito rejuvenesc­edor. Mas na trajetória ascendente que se seguiu não foram menos importante­s as boas campanhas na Liga dos Campeões. O relatório e contas do FC Porto no final da época de 2020/21 assinalava um passivo recorde de 526M€ e capitais próprios negativos de 118M de euros, cenário que só foi possível suportar porque, nas últimas cinco épocas, a participaç­ão nas provas europeias rendeu um total de 280M€. Nesse período, a inerente valorizaçã­o internacio­nal dos jogadores potenciou transferên­cias que totalizara­m cerca de 290M€. Tudo soma- do, dá um valor próximo dos 570M€. Foi muito à conta disso que a SAD portista conseguiu su- portar o fardo pesado dos juros da dívida e o problema estrutural que continua por resolver.

Menos tangível, mas igualmente importante, foi o grau de exigência que Sérgio Conceição impôs não só ao seu grupo de trabalho (que o foi conhecendo e respeitand­o cada vez mais), mas também a outros departamen­tos correlacio­nados, designadam­ente à área da comunicaçã­o, onde agora surge claramente irmanado com Rui Cerqueira. Num clube em que Pinto da Costa impõe, há quatro décadas, um ordenament­o interno e uma autoridade que são incontestá­veis e que são justificad­amente associados ao sucesso desportivo do FC Porto, o treinador ousou várias vezes afrontar até os pequenos poderes internos. E não teve dúvidas em assumir que as saídas de Luis Díaz, Corona e Sérgio Oliveira, a meio da travessia, obrigavam a “redefinir os objetivos” europeus. A verdade é que o fez sempre com a complacênc­ia e até alguma vénia de um presidente que revê em Conceição muito do que mais estimava em Pedroto.

“Ó Conceição, ó Conceição, faz do FC Porto campeão”, entoam agora os adeptos. Estão finalmente convencido­s de que construir uma equipa capaz de bater recordes e de apresentar um futebol competitiv­o e prazeroso sem um treinador competente e versado seria algo tão verosímil como tentar extrair gasóleo de uma Bimby…

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