“SUBIDA É MISTO DE FELICIDADE E ALÍVIO”
Aos 36 anos, o técnico conseguiu a sétima subida em dez anos de carreira. Em entrevista a Record, o timoneiro do Rio Ave deu ênfase à estabilidade emocional dos seus jogadores e vincou o desejo de se fixar na 1ª Liga
Com o término da época, é maior a felicidade pela subida e o título de campeão ou o sentimento de alívio por estes terem sido alcançados num ano em que todos davam o Rio Ave como o principal favorito?
LUÍS FREIRE – É um misto das duas coisas. Há uma grande felicidade por termos dado alegrias aos jogadores, à direção e às pessoas que trabalham aqui e que sofreram com a descida de divisão. A coisa que mais me moveu foi sentir que as pessoas precisavam desta subida e nós contribuímos para que isso fosse possível. É uma sensação de alívio porque o desafio era grande e porque havia uma expectativa elevadíssima que deu jeito aos adversários. As pessoas não quiseram saber da valia da 2ª Liga e colocaram o rótulo ao Rio Ave da obrigatoriedade de subida de divisão.
Ⓡ Essa pressão de o Rio Ave ter sido colocado num patamar à parte de todos os outros clubes foi o vosso maior inimigo?
LF- Tivemos um início de época incrível e isso criou a sensação, a partir do exterior, de que seria fácil e de que o Rio Ave ia dominar. Nas primeiras adversidades foi ao contrário porque quando te colocam muito lá em cima a seguir é para te ver cair. Quando tivemos os primeiros desaires houve essa pressão, mas fomos sempre muito equilibrados emocionalmente, fizemos um bom trabalho de resiliência e percebemos o contexto onde estávamos.
Ⓡ Qual foi o estado de espírito que encontrou quando chegou?
LF- As pessoas estavam desiludidas e sentiam que estavam a viver um inferno. O Rio Ave é um clube orientado para andar na primeira metade da tabela do campeonato português e passar por uma descida de divisão obrigou a reduzir o orçamento. Para além disso, havia jogadores que não queriam ficar e outros com ordenados elevadíssimos que era preciso soltar. Ao mesmo tempo era preciso trazer gente. Foi importante o presidente e a direção manterem a estrutura intacta porque deu conforto e segurança.
Ⓡ Como lidou com esse cenário tão específico na construção do plantel para esta temporada?
LF- Houve uma empatia grande entre equipa técnica e plantel. Todos os jogadores, mesmo aqueles que acabaram por sair, nunca apresentaram nenhum tipo de problema e houve sempre frontalidade. Esses jogadores perceberam que estávamos a construir o Rio Ave aos poucos, que precisávamos deles naquela altura e que tinham de estar comprometidos. O clube ia resolver as coisas com calma, mas eles, enquanto cá estivessem, faziam parte da equipa e podiam ser utilizados como todos os outros.
“AS PESSOAS NÃO QUISERAM SABER DA VALIA DA 2ª LIGA E COLOCARAM-NOS O RÓTULO DA OBRIGATORIEDADE DE SUBIDA”
Ⓡ Após o jogo com o E. Amadora, na 22ª jornada, elogiou a capacidade de superação da sua equipa, isto depois da Covid-19 ter atacado o plantel. Como foi viver o período do surto?
LF- Tivemos 30 casos no espaço de dez dias no fim de dezembro, sendo que regressámos frente ao Tondela, na Taça. Acredito piamente que, se estivéssemos bem fisicamente, podíamos ter passado. Depois tivemos oito jogos no espaço de um mês e, quando chegámos à partida com o E. Amadora, eu sabia que a equipa estava completamente esgotada a nível físico e emocional, até porque tínhamos perdido com o Chaves na jornada anterior. Fiz ver aos jogadores que ali começava um novo ciclo e esse jogo foi vital.
Ⓡ Eliminaram o Boavista e o Belenenses SAD da Taça. Que importância, no sentido de mostrar que o lugar da equipa não era na 2ª Liga, tiveram estes triunfos?
LF- O início de época deu-nos confiança porque percebemos que éramos capazes de fazer grandes jogos. No encontro com o Boavista saiu-nos tudo bem, frente ao Santa Clara, para a Allianz Cup, conseguimos um bom empate e, frente ao FC Porto, o grupo portou-se muito bem.
A Allianz Cup deu-nos confiança e chegámos à Taça de Portugal, uma prova mais apetecível, com muita vontade de ganhar.
Ⓡ Houve algum momento em específico em que perceberam que a subida já não iria fugir?
“O GUGA É JOGADOR PARA OS PRIMEIROS LUGARES DA 1ª LIGA E ESTÁ COM O CHIP CERTO. DEU GOSTO VER A SUA EVOLUÇÃO”
LF- Este jogo com o Estrela foi importante no sentido de darmos resposta à derrota com o Chaves. O empate em Santa Maria da Feira permitiu-nos não descolar e com
a reviravolta a partir dos 83 minutos em Vila Franca de Xira sentimos que a subida poderia ser possível. Com as vitórias frente ao Benfica B e ao Casa Pia passámos a olhar mais para a questão de sermos campeões.
Ⓡ Na reta final tiveram triunfos importantes frente ao Casa Pia e ao Chaves...
LF- São jogos que, mais tarde, vamos olhar para trás e sentir que fizemos história. No momento da decisão estávamos preparados, unidos e confiantes. As fortes entradas em jogo eram um pouco disso: sair daqui [balneário] para fora e libertar lá dentro. Sabíamos o que tínhamos de fazer e, empurrados pelo público, era mesmo até entrar.
Ⓡ O Guga era um jogador que, porventura, estava um pouco desacreditado. O processo de o conduzir até à melhor época da carreira teve um sabor especial para si?
LF- Eu e o Guga tivemos uma excelente relação desde início, quando cheguei percebi que estava ali um jogador de outra dimensão que não a 2ª Liga. Falámos com ele e fiz-lhe ver que seria uma aposta minha porque acreditava muito no valor dele. Além de ser forte tecnicamente e de ter uma grande capacidade de transporte, este ano ganhou uma disponibilidade de trabalho muito grande, às vezes chegou aos mil metros em sprint em jogos, algo que não conseguia antes. Teve sempre uma vontade de ajudar o clube, os colegas e a equipa técnica e deu gosto ver a evolução dele. É jogador para os primeiros lugares da 1ª Liga e está com o chip certo.
Ⓡ Que importância tiveram os jogadores que transitaram do plantel do ano passado?
LF- Foram decisivos, quase todos eles tiveram um tempo de utilização muito grande. O Santos tinha mercado e tive muitas conversas com ele, tentámos fazer, juntamente com a direção, com que ficasse feliz no clube. Ao longo do tempo deu-lhe gosto recolocar o Rio Ave na 1ª Liga. O Pedro Amaral e o Gabrielzinho tiveram mercado, mas acabaram por começar a valorizar o que estava aqui a ser feito. No entanto, mesmo os que jogaram menos foram fundamentais. O Ângelo foi excecional e o Ukra é a melhor pessoa que conheci no futebol.
Ⓡ Num ano decisivo, que impacto teve ter alguém como Vítor Gomes no plantel?
LF- Procurámos alguém que pudesse passar os valores do clube e, quando surgiu o nome do Vítor, toda a gente me disse maravilhas dele. No início tivemos uma conversa e agora, olhando para o que se passou, o Vítor é um dos melhores capitães que tive. É um capitão pelo exemplo, treina sempre no máximo, é disciplinado, amigo, tenta ajudar todos e ama o clube. Felizmente levantou a taça.
Ⓡ Descer um patamar competitivo foi importante para ter margem para apostar num jovem como o Costinha?
LF- O Costinha é um jovem em quem decidimos apostar porque lhe reconhecemos qualidade e, principalmente, capacidade de trabalho. Ele precisava de um ano destes, precisava de sentir a pressão de jogar em alta competição e de ter muitos minutos de jogo. A nível emocional cresceu muito e tem de continuar este caminho. A aposta em na formação é importante. *