O pesado silêncio da culpa A MORTE DE IGOR SILVA NÃO FOI UM EPISÓDIO DESLOCADO. TRATA-SE DE UMA MORTE QUE DEVE SER ENQUADRADA NUMA LUTA PELO PODER NA CLAQUE DOS SUPER DRAGÕES E, CONSEQUENTEMENTE, PELO DOMÍNIO DO IMENSO DINHEIRO QUE MANDAR NESTA GUARDA PR
Daqui a pouco fará um mês que Igor Silva, 26 anos, foi barbaramente esfaqueado às portas do Estádio do Dragão e, enquanto a investigação faz o seu trabalho de recolha de prova, tudo parece paralisado à volta deste episódio. Como se precisássemos de uma prova judicial, ainda mais fumegante, para fazer o debate sobre o que ali se passou, o que significa e como se combate.
A morte de Igor Silva não foi um episódio deslocado. Trata-se de uma morte que deve ser enquadrada numa luta pelo poder na claque dos Super Dragões e, consequentemente, pelo domínio do imenso dinheiro que mandar nesta guarda pretoriana comporta.
Os Super Dragões e os seus mandantes são os donos de dinheiro proveniente da venda de bilhetes no futebol, e nas muitas modalidades do FC Porto que enchem pavilhões. São os donos de dinheiro que vem do ‘franchising’ de produtos do clube e, alguns dos chefes da claque, são também os padrinhos que dominam o negócio da protecção mafiosa na noite do Porto, da droga e de um vasto conjunto de crimina- lidade bagatelar, mas sempre instrumental de crimes maiores e mais danosos.
O debate que um Estado de Di-
reito Democrático tem a fazer sobre uma situação destas é simples. A lei tem de represen- tar uma forte e verdadeira cer- ca sanitária sobre este tipo de criminalidade. O Estado tem de recorrer a todos os meios ao seu alcance para erradicar este tipo de bandos, que medram na sombra tutelar dos clubes, não apenas do FC Porto. Lei e Estado têm de enquadrar este tipo de fenómenos como o que efectivamente são, associações de malfeitores que vivem da intimidação e da violência, a começar, como se viu no caso de Igor Silva, dentro da própria casa, recorrendo à violência para eliminar adversários no processo de afirmação tribal do chefe. Há alguma dúvida?
Os cobardes que matam e choram são um pouco melhores, apesar de tudo, do que os outros que os educaram e incenti- varam a meter a força e a pura irracionalidade no lugar da decência. Uns e outros, não têm lugar numa sociedade livre e democrática. Espera-se, por isso, que este debate não morra nos gestos simbólicos criados pela oportunidade de agendas, como o caso das ausências de Marcelo e Costa da final da Taça de Portugal. Ou que se fique pelo caso isolado, quando já existe uma verdadeira ‘cantera’ de violência, e abra alas para que o actual chefe da claque apareça a liderar a claque de todos nós nos jogos do Mundial. O que seria uma vergonha mais, para um sistema político e desportivo que já carrega, em ruidoso silêncio, uma culpa imensa por tudo isto ter chegado ao estado a que chegou.