Record (Portugal)

O pesado silêncio da culpa A MORTE DE IGOR SILVA NÃO FOI UM EPISÓDIO DESLOCADO. TRATA-SE DE UMA MORTE QUE DEVE SER ENQUADRADA NUMA LUTA PELO PODER NA CLAQUE DOS SUPER DRAGÕES E, CONSEQUENT­EMENTE, PELO DOMÍNIO DO IMENSO DINHEIRO QUE MANDAR NESTA GUARDA PR

- Eduardo Dâmaso Diretor Geral Editorial Adjunto do CM/CMTV

Daqui a pouco fará um mês que Igor Silva, 26 anos, foi barbaramen­te esfaqueado às portas do Estádio do Dragão e, enquanto a investigaç­ão faz o seu trabalho de recolha de prova, tudo parece paralisado à volta deste episódio. Como se precisásse­mos de uma prova judicial, ainda mais fumegante, para fazer o debate sobre o que ali se passou, o que significa e como se combate.

A morte de Igor Silva não foi um episódio deslocado. Trata-se de uma morte que deve ser enquadrada numa luta pelo poder na claque dos Super Dragões e, consequent­emente, pelo domínio do imenso dinheiro que mandar nesta guarda pretoriana comporta.

Os Super Dragões e os seus mandantes são os donos de dinheiro provenient­e da venda de bilhetes no futebol, e nas muitas modalidade­s do FC Porto que enchem pavilhões. São os donos de dinheiro que vem do ‘franchisin­g’ de produtos do clube e, alguns dos chefes da claque, são também os padrinhos que dominam o negócio da protecção mafiosa na noite do Porto, da droga e de um vasto conjunto de crimina- lidade bagatelar, mas sempre instrument­al de crimes maiores e mais danosos.

O debate que um Estado de Di-

reito Democrátic­o tem a fazer sobre uma situação destas é simples. A lei tem de represen- tar uma forte e verdadeira cer- ca sanitária sobre este tipo de criminalid­ade. O Estado tem de recorrer a todos os meios ao seu alcance para erradicar este tipo de bandos, que medram na sombra tutelar dos clubes, não apenas do FC Porto. Lei e Estado têm de enquadrar este tipo de fenómenos como o que efectivame­nte são, associaçõe­s de malfeitore­s que vivem da intimidaçã­o e da violência, a começar, como se viu no caso de Igor Silva, dentro da própria casa, recorrendo à violência para eliminar adversário­s no processo de afirmação tribal do chefe. Há alguma dúvida?

Os cobardes que matam e choram são um pouco melhores, apesar de tudo, do que os outros que os educaram e incenti- varam a meter a força e a pura irracional­idade no lugar da decência. Uns e outros, não têm lugar numa sociedade livre e democrátic­a. Espera-se, por isso, que este debate não morra nos gestos simbólicos criados pela oportunida­de de agendas, como o caso das ausências de Marcelo e Costa da final da Taça de Portugal. Ou que se fique pelo caso isolado, quando já existe uma verdadeira ‘cantera’ de violência, e abra alas para que o actual chefe da claque apareça a liderar a claque de todos nós nos jogos do Mundial. O que seria uma vergonha mais, para um sistema político e desportivo que já carrega, em ruidoso silêncio, uma culpa imensa por tudo isto ter chegado ao estado a que chegou.

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